Este filme de 2000 é a adaptação do romance homónimo de Steven Pressfield, e foi o primeiro sucesso do autor, em 1995, ao qual se seguiu a sua obra mais popular, “Portas de Fogo”, em 1998, razão pela qual muitos de nós o conhecemos. Em “A lenda de Bagger Vance”, Pressfield quis transferir para o mundo do golfe o modelo de ensino do Bhagavad Gita – uma obra mística da Índia -, que o impressionou muito e a que se refere com frequência nas suas reflexões pessoais, especialmente nos seus últimos trabalhos.
Isto poderia gerar enormes expectativas por parte daqueles que leram o Bhagavad Gita e assimilaram, pelo menos em parte, a sua enorme riqueza mística e espiritual. Mas isso seria simplesmente um grande equívoco, pois trata-se de uma adaptação que utiliza o modelo de diálogo entre mestre e discípulo, levando ao despertar da letargia e à tomada de consciência deste último. É, por isso, que devemos manter as distâncias em relação ao original.

Sobre a Lenda de Bagger Vance

Matt Damon com a Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti em 2008. Domínio Público

O filme realizado por Robert Redford com argumento de Jeremy Leven é, para mim, muito agradável, com um tom sóbrio e uma fotografia muito bonita. A trama ocorre nas primeiras décadas do século XX e conta como protagonista a história de um jovem jogador de golfe de enorme talento e com um futuro brilhante chamado Ranulph Junuh – interpretado por Matt Damon -, que vai para a Primeira Guerra Mundial como oficial de uma unidade de soldados da sua terra, Savannah, na Geórgia, sul dos Estados Unidos e regressa traumatizado por ser o único sobrevivente daquela unidade.

Ao retornar, simplesmente desaparece de circulação, ignorando a sua noiva que o esperava – interpretada por Charlize Theron -, e nunca mais voltou a tocar num taco de golfe. Ou seja, ele afunda-se no seu próprio inferno e recusa-se a sair dele. Permaneceu assim toda uma década inteira, até à chegada da famosa queda do mercado de ações de 1929 e a subsequente Grande Depressão. O pai de sua noiva havia investido num hotel e num clube de golfe, mas fica falido e morre. A filha, diante da ameaça de perder tudo porque predadores a cercam para tomar a propriedade, decide organizar um grande torneio de golfe. Para isso, convida os dois maiores astros do golfe da atualidade – e consegue que aceitem, contra todas as expectativas e com muita habilidade -, mas os notáveis ​​de Savannah exigem que um nativo Savannak participe naquele jogo de exibição para representar a cidade. Aqui surge o problema de encontrar o representante local, até que uma só criança menciona o capitão Junuh, de quem quase ninguém se lembra, dado o tempo decorrido.

Walter Hagen. Fotografado em 1924. Pietzker, St. Louis – Golf Illustrated & Outdoor America, The Stuyvesant Company, New York. 1914, Vol. 1, No. 6

Sem dúvida que tudo isto faz mais sentido se o espectador do filme for um fã de golfe ou um amante desse desporto. Os dois grandes jogadores convidados, Walter Hagen – interpretado por Bruce McGill – e Bobby Jones – interpretado por Joel Gretsch – , são pessoas reais, imensamente famosas na sua época. Eles tinham personalidades completamente opostas e complementares aos olhos do público. Walter Hagen era um profissional e amante da boa vida, enquanto Bobby Jones – a perfeição do jogador de golfe – sempre permaneceu um amador, apesar de ser talvez o maior jogador de golfe da história.

Bobby Jones no Southern Open em Nova Orleans, 1919. Ed Agnelly. Domínio Público

É aqui que um personagem estranho chamado Bagger Vance – interpretado por Will Smith – faz sua aparição, conseguindo ser caddie [1] do capitão Junuh. A partir desse momento, o autor tenta representar de alguma forma o diálogo que ocorre no Bhagavad Gita, atribuindo a Bagger Vance o papel do professor que conduz e orienta o discípulo desconcertado, ajudando-o a encontrar-se. Os ensinamentos ou orientações que ele oferece lembram, de alguma forma, o arqueiro zen e a ideia de se tornar um com a flecha para atingir o alvo. Adaptado ao golfe, trata-se de encontrar o campo na sua mente e ser um com ele, para que a bola o encontre naturalmente quando arremessada. O processo, como é lógico, tem altos e baixos até chegar a um final inesperado, mas feliz, no qual Bagger Vance se despede assim que sua missão é cumprida.

O personagem do narrador, que se lembra dos acontecimentos já ancião, é o mesmo que era criança naquela época e foi quem encontrou o capitão para voltar, e tem que acompanhar tanto a ele quanto Bagger Vance nesse processo. Menciono isso porque no seu papel de ancião ele é interpretado por Jack Lemmon naquele que foi seu último papel no cinema antes de morrer. Isso é importante para um cinéfilo, a última aparição de Jack Lemmon no cinema. Só para vê-lo vale a pena ir ao cinema.

Steven Pressfield, junho de 2011. Creative Commons

A crítica

No entanto, a crítica especializada parece não gostar de temas relacionados com a  busca de si mesmo. O crítico da BBC disse que o filme era “magnificamente fotografado”, mas no fundo “um disparate pretensioso”, e que o personagem de Will Smith era “ridículo”. A Time considerou-o um filme embaraçoso por apresentar um “amigo afro-americano mágico”.

Por outras palavras, não podemos fugir do facto de que vivemos numa época cheia de preconceitos e ideias pré-estabelecidas que julga ou prejulga tudo pelo prisma vigente e pela visão do politicamente correto, independente do valor em si que isso tenha. Filmes da era de ouro do cinema, como O Fio da Navalha [2], já se foram há muito tempo, onde essas questões não só eram bem tratadas como eram apreciadas por todos.

A minha opinião, já a expressei: gostei do filme, assim como gosto de desporto. Com as naturais limitações de uma adaptação, trata de abordar temas que dificilmente se abordam hoje em dia e, só por isso, acho valeu o esforço.

Alfredo Aguilar

Publicado na Revista Esfinge em 1 de abril de 2021

[1] Caddie: aquele que acompanha o jogador de golfe durante sua volta, levando os tacos a serem utilizados conforme o caso, e aconselhando quando for pertinente.

[2] O Fio da Navalha: filme de 1946, adaptação do romance de Sommerset Maugham The Razor´s Edge, com Tyrone Power e Óscar para Ann Baxter.

Imagem de destaque: Krishna e Arjuna. Bhagavad Guita. Domínio Público