Além do pensamento racional que trabalha com as ideias, do qual falamos como estruturando a mente, existe no homem outra forma de pensamento mais subtil, que é a intuição. A primeira forma estende os seus fios para conhecer: o raciocínio; a segunda capta diretamente: é a intuição. Esta segunda possibilidade de conhecimento relacionamos diretamente com a inteligência.

Maya, uma vez mais, trocou os fios do seu jogo, e faz-nos crer que inteligência é uma certa habilidade e destreza que vai desde o físico até ao espiritual. Ser “inteligente” é ser “desperto”, rápido, ágil nas reações e, portanto, os homens esforçam-se em desenvolver a inteligência como se se tratasse de uma competição atlética mental.

Contudo, a inteligência é um dom de maior penetração; é mais que pensar e raciocinar; é muito mais que responder rapidamente aos estímulos; é poder captar a vida para além da superficialidade com que se nos apresenta. É reconhecer os factos e discernir sobre eles. Inteligência é saber escolher e, ainda mais importante: selecionar entre muitas outras oportunidades, separar o bom do mau, o útil do inútil. Tudo isso é inteligência, tudo isso é trabalhar com a intuição.

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Intuir é ganhar uma corrida contra o tempo. O velho Cronos tem domínio sobre nós há séculos e séculos, e desde sempre nos impôs a sua condição: os homens devem desenvolver-se no seu terreno, e as coisas custam-nos… tempo. Agir leva tempo; sentir consome-nos a vida; pensar tira-nos horas; mas intuir… é romper essa barreira e apropriar-se da essência das coisas no tempo, mas sem perder tempo. Intuição é a captação imediata, que contém, mesmo assim, a capacidade seletiva e decisiva. O que se capta, é positivo ou negativo? Ficaremos ou não com o que captámos? E em caso de ficarmos, como vamos lidar com isso? O que escolhemos fazer e fazemos?

Quem pode intuir sabe o que tem, que valor encerra o que adquiriu, as possibilidades de aplicação que supõe ter e a forma imediata na qual estará em jogo. Na intuição não há dúvidas, não há rodeios desnecessários: é uma corrida vencida a Cronos, para lá dos véus com que Maya tentou cobrir esta realidade.

Reia dando a pedra a Cronos, Karl Friedrich Schinkel. Domínio Público

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Quem nunca superou esta etapa da mente discursiva, pode acreditar que a intuição é algo semelhante à imaginação. Pode achar que aquilo que se “capta”, na realidade, “imagina-se”. Mas – já que se trata da mente superior – se fiarmos um fio mais fino, podemos concluir que a intuição não é captar o que queremos, ou acreditamos, ou o que acreditamos captar; é captar o que É.

Certamente, a fantasia supõe coisas que não existem, extasia-se com jogos absurdos que nem sequer Maya iria aproveitar. Mas a fantasia diferencia-se totalmente da intuição, pois fica estéril nas suas imagens, perdendo deste modo toda a força para a ação.

Entretanto, a intuição capta realidades, as poucas realidades que o jogo de Maya nos deixa entrever; ela atesoura-as e depois converte-as em descidas sucessivas que tocam todos os planos de expressão humana. Uma intuição pode chegar à mente sob a forma de uma ideia, que tingida de sentimentos e convenientemente vitalizada, traduz-se em ação. A intuição sempre flui para a ação correlativa.

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Intuição é ver com os olhos da alma, mas é fazer com as mãos do corpo. Por isso falámos de inteligência: é saber ver e saber fazer. Se a questão fosse ver apenas com os olhos do corpo, eles não alcançariam mais que o que as mãos podem alcançar; por isso falámos neste caso de habilidade e destreza, mas não de inteligência.

Enquanto a mente comum obtém uma apreensão reduzida e parcial, ajustada às mil e uma divisões das conveniências de Maya; enquanto esta mente pode trabalhar agilmente com as partes pequenas que ela recorta da realidade, a intuição permite “golpes de vista” menos fracionados. Por efeito da intuição é possível aproximar-se mais da fugidia realidade, para a extraordinária unidade que se esconde por detrás dos véus de Maya. Já não nos conformamos com os breves pedaços que o pensamento habitual pode digerir, mas atuamos através de um órgão habilitado a absorver mais quantidade, de forma mais inteira. É um passo para a unificação das formas de vida, que justifica o falar da intuição como de Inteligência.

Busto de Atena, Gliptoteca de Munique. Domínio Público

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Maya prefere que pensemos, que gastemos o nosso tempo a tropeçar com as ideias enquanto brincamos de viver. Maya não quer que descubramos o seu segredo, a sua armadilha para nos obrigar a permanecer no mundo. Por isso, ela joga e faz-nos jogar, enquanto que nos afasta gradualmente da possibilidade de intuir, de apreender a sua verdade.

No entanto, vendo Maya jogar, desviando o olhar de nós próprios e vendo-nos inconscientemente a participar neste xadrez, um raio de intuição desperta. Se olharmos lentamente para as coisas à nossa volta e para o comportamento que a estas coisas dizem respeito, uma ligeira clareza abre-se no meio da nossa confusão e compreendemos, de repente, mil razões que a simples razão não consegue exprimir.

Através dos seus jogos, acabamos por intuir a presença de Maya.

Delia Steinberg Guzmán
Extraído do livro Os Jogos de Maya. Editorial Nova Acrópole

Imagem de destaque: Dionísio e Ariadne. Entrada da Ópera Semper, Dresden. Creative Commons