Somos cegos em relação à energia

No seu vídeo de trinta minutos¹ Nate Hagens começa por contar de forma sucinta a história da vida na Terra e da humanidade, cujo crescimento e evolução, do ponto de vista económico e tecnológico, eram quase impercetíveis de uma geração para a outra – até nos aproximarmos do Renascimento e criarmos novas tecnologias que permitiram ao homem explorar o mundo e desenvolver novas rotas comerciais. Depois veio a Revolução Industrial com novas máquinas e, finalmente, a era do petróleo, com um poder e uma riqueza incalculáveis. No final do século XX, tínhamos multiplicado a nossa taxa de crescimento trinta vezes mais do que há mil anos atrás, dando-nos recursos e um nível de conforto nunca antes visto.

Criámos máquinas que trabalham para nós como o equivalente a mais de quinhentos biliões de trabalhadores humanos, a que Jean-Marc Jancovici² se refere como Escravos de Energia. Ao mergulharmos no consumo de combustíveis fósseis, desligámo-nos lentamente dos fluxos naturais da Terra. Consideramos os principais fatores de produção das nossas economias como gratuitos, pois pagamos apenas o custo do trabalho e da extração, mas não pagamos pela sua criação, verdadeiro valor e poluição.

Atribuímos esta nova riqueza e progresso apenas ao nosso engenho. Tornámo-nos energeticamente cegos.

A humanidade tornou-se um superorganismo

Como diz Nate Hagens: A energia é e sempre será a moeda da vida. É um componente essencial do nosso mundo físico que permite a transformação da matéria. Sem ela, nada muda, nada se move, nada vive. Estamos a viver atualmente o que ele chama de pulso de carbono, com o uso excessivo de combustíveis fósseis, e como a definição sugere, não durará para sempre. Como as melhores reservas de combustíveis fósseis se esgotaram, a sua extração tornar-se-á mais dispendiosa, até um ponto em que nem sequer fará sentido extrair os recursos restantes.

Ao longo dos últimos séculos, criámos uma rede global de bens e serviços cada vez mais e mais complexa, serviços que, atualmente, requerem o equivalente em energia a cento e setenta biliões de lâmpadas apenas para se manter em funcionamento, utilizando maioritariamente combustíveis fósseis. O nosso sistema financeiro baseia-se no crescimento perpétuo, com necessidade de imprimir mais dinheiro, também conhecido como energia, que acabará por ser utilizada para transformar o nosso ambiente. De acordo com Hagens, o sistema já não está sob controlo de ninguém. A espécie humana, pelo menos até agora, tornou-se num estúpido, insaciável, superorganismo faminto de energia.

Gráfico da NASA que mostra a intensidade da anomalia térmica global no ano de 2015 em relação à média de 1880. Domínio Público.

O que nos torna humanos

Os seres humanos são seres muito sociais, mas a maioria de nós permaneceu tribal nas suas mentalidades e comportamentos. Numa cultura de vasta riqueza material, a sobrecarga de informação e dos media sociais, é cada vez mais difícil separar a fantasia da realidade. Criámos sistemas e algoritmos otimizados para lucros que estão a reduzir a nossa capacidade de atenção, acelerando a dependência, a polarização, a apatia e a desconfiança em relação à ciência.

Somos criaturas com um tempo de vida finito, o que faz com que o futuro não seja uma prioridade para nós. Em vez disso, estamos concentrados em necessidades de curto prazo e as nossas promessas de mudança continuam a ser adiadas para amanhã. Estes desejos, juntamente com o impulso do carbono, levaram-nos a criar este superorganismo. Mas isto não está predestinado. A situação em que nos encontramos definirá o que somos capazes de nos tornar.

A inevitável grande simplificação

A lente tecnológica e económica através da qual estamos a olhar para o futuro é a cegueira energética. A transição para as energias renováveis não resolverá o problema. Precisamos daquilo a que Hagens chama uma lente de sistema, uma que engloba a consciência energética e todos os conhecimentos e ciências da humanidade. Como precisamos de aprender a usar a energia de forma diferente, vamos experimentar o que ele chama de Uma Grande Simplificação.

Como precisaremos de trabalhar com menos energia disponível, o nosso superorganismo complexo e sedento de energia morrerá à fome, levando à turbulência, à contração económica e à diminuição dos nossos atuais estilos de vida. Alguns economistas e cientistas chamam a este fenómeno de decrescimento.

Como diz Hagens, de forma muito bela: Há muitos caminhos que passam por uma Grande Simplificação. Alguns são sábios, humanos e até preferíveis ao que temos atualmente. Outros são tão sombrios que são quase impensáveis. No entanto, é precisamente «pensar sobre» estes caminhos, e escolher ativamente entre eles, que oferece a única esperança realista para um longo e significativo futuro humano. A natureza presenteou-nos com uma casa produtiva e bonita, a capacidade de compreender como chegámos aqui e a criatividade para imaginar que caminhos são possíveis. O futuro não precisa de ser distópico, mas a inteligência por si só já não será suficiente para a próxima etapa da nossa viagem. Nós precisamos de imaginação, previsão, empatia e, acima de tudo, sabedoria para navegar no caminho para o futuro que está a chegar – A Grande Simplificação”.

Florimond Krins

Publicado na Revista New Acropolis, nº 60, JAN-FEV 2024

  1. https://www.youtube.com/watch?v=-xr9rIQxwj4

  2. YouTube entrevista em vídeo entre J-M Jancovici e Nate Hagens (em inglês) https://www.youtube.com/watch?v=-EHCguJp9eQ

  3. https://en.wikipedia.org/wiki/Energy_slave