Terá sido ela quem lhe disse,
A Mãe.
Não a mãe desta vida.
A Mãe de todas as vidas que já passaram e que virão.
A Mãe de todas (e todos) os que já foram, dos que estão e dos que estarão.
Terá sido Ela que lhe disse vai e aprende a tecer,
Vai e ensina a tecer.
Primeiro aprendes a fiar,
Aprendes a encontrar o fio no algodão ou no casulo de seda,
Depois teces a tua trama, o teu desenho, a tua história com aquele fio que é o que une todos,
Primeiro o fio por onde passam todas as contas que somos todos nós e que nos une a todos,
Porque é a energia pura de onde todos viemos,
Ainda antes de sermos duais,
Feminino e masculino.
A ela deu-lhe a tarefa de encontrar uma das partes,
A que vem directamente da Mãe.
Ter-lhe-á dito encontra as tuas irmãs,
As que puderes,
Ensina-as a encontrar-me a mim, para se encontrarem a elas e a elas em mim.
E todas as tuas dúvidas serão as delas, todas as tuas dores serão as delas,
Todas as tuas conquistas e alegrias serão as delas,
Pois serão espelhos umas das outras,
Que a Mãe tem todas as filhas no seu reflexo.
Ensina-lhes a irmandade, pois todas vêm do mesmo ventre,
Serão todas únicas, mas iguais na origem.

Tecelagem manual com fio de lã. Pixabay
E ela aceitou e fez.
E encontrou irmãs a quem ajudar a tecer.
Cada uma começou a tecer um entrançado diferente,
Reflectindo cada lado da Mãe, que tem muitos.
E choraram. E doeu-lhes. E fugiram do passado, mas voltaram para encontrar o presente. E zangaram-se com elas mesmas, com as mães, com os pais e com os filhos. E quiseram esquecer-se, mas também lembrar-se.
Para se pacificarem e encontrarem o fio que as liga à Mãe.
Foi como uma tormenta, para algumas.
Foi como uma chuva, para outras.
Foi como atravessar o deserto do tempo, para outras.
Foi como tudo isso se calhar para todas.
Sem importância, porque quando se encontra o sentido das dores, pode-se ir a todos os lados.
Ao tecer o seu desenho, cada uma se encontrou.
Uma levantou os véus que não a deixavam ver quem era, que nem sabia bem que era, mas começou a saber tecer-se, para se amar e amar outros.
Outra destapou as folhas que a cobriam, que lhe tapavam o sol, sem o deixar reflectir-se nela, para não se esconder como a lua nova, em vez de uma lua cheia.
Uma outra começou a bordar uma guerra exterior pacificada, para ajudar outros noutras lutas, reflectindo a tecedura de paz conquistada a pulso, valorosa.
Havia outra que queria deixar de se perder no mar emocional das lágrimas e das emoções, queria ser vista, amada sem saber como. Terá aprendido a fazer escolhas de acordo com o fio que a Mãe lhe deu.
Outra, ainda, tinha-se apenas deixado amar, mas não sabia amar-se, e começou a desvendar quem era e a descobrir que tinhas muitas mais facetas que apenas as que eram amadas por alguém.
Havia uma que se pintava e repintava, como se fosse todas as coisas que pintava e repintava, mas sem saber qual delas era. Começou a tecer o desenho de quem realmente era nas múltiplas caras de quem poderia ser.
Uma que não sabia destrinçar o seu valor entre quem ela era e as suas ancestrais, sem saber se o que conquistara era dela ou de quem viera antes. Aprendeu a tecer a conquista dela própria e dos seus talentos.
Uma das irmãs aprendeu a Ser. Como se as cascas todas do passado caíssem e finalmente se visse, a começar a perceber o seu enorme poder, independente, forte e doce.
Uma outra começou a aprender que a sua tecedura era visível e tinha um sentido que podia ser partilhado e unir as partes, que antes não sabia que podia.
Houve também quem se reservasse na manifestação do bordado, talvez por querer vê-lo completo antes de revelá-lo.
Mas a Mãe sabe.
No silêncio da água, todas teceram e continuam a tecer,
Ela contou-lhes como encontrar o fio e todas as irmãs se ligaram a ela por muito tempo.
Fátima Silva
Imagem de destaque: A Lua, símbolo do feminino. Creative Commons