De um ponto de vista esotérico, um ritual depende da existência da dimensão invisível. Esta dimensão invisível é constituída por um aspeto espiritual-mental, que é o domínio dos arquétipos ou seres vivos de ideias de que falam os platonistas; e por um aspeto astral, que é um mundo intermédio entre o espírito e a matéria, tal como a imaginação é a ligação entre o mundo das ideias e o mundo físico. Nesta visão, o mundo invisível existe, o mundo material reflete. O visível é a sombra do invisível.
Um ritual ou uma cerimónia é uma reconstituição da criação do mundo, uma oportunidade para se ligar às forças criadoras das origens e, assim, recomeçar, regenerar-se e emergir renovado. Um exemplo disto é o rito do batismo, que consiste em ser imerso nas águas primordiais, sofrer o Dilúvio e ressurgir no monte primordial de uma nova criação. Uma outra forma de encarar o ritual é vê-lo como uma porta para a dimensão invisível, um meio de acesso ao sagrado. E é por isso que os rituais são necessários, porque o invisível é, pela sua própria natureza, de difícil acesso para nós, prisioneiros como somos da carne e da matéria. Por isso, precisamos de ferramentas e dispositivos especiais para nos ajudar a alcançá-lo. Essas ferramentas são os símbolos, os mitos e os rituais.
No ritual, os elementos materiais desempenham um papel importante. São os veículos através dos quais o invisível pode tornar-se manifesto e a consciência pode ascender a um estado mais elevado do que a sua condição mundana habitual. Estes elementos são, a título de exemplo: o som, o movimento, os aromas, as posturas, os gestos, bem como os objectos rituais, as estátuas e as imagens. O poder da palavra falada é de grande importância em qualquer ritual, por exemplo, na recitação em voz alta de uma oração. Como H.P. Blavatsky explica no primeiro volume de A Doutrina Secreta: (…) a palavra falada tem uma potência desconhecida, insuspeitada e desacreditada pelos «sábios» modernos… e esta ou outra vibração no ar certamente despertará poderes correspondentes…
Uma oração, no sentido filosófico, não é um pedido de um favor especial a um deus, mas um meio de oferecer a melhor parte de nós próprios a algo superior; exprime uma aspiração a tornarmo-nos melhores, mais nobres, maiores, a exprimir a parte mais elevada de nós próprios. No entanto, se a essência dessa oração não for de alguma forma expressa nas ações da nossa vida quotidiana, ela tem pouco ou nenhum valor. A sua recitação num ritual, ao lado de outros aspirantes a seres humanos, reforça os nossos esforços diários, retira a sua força dos nossos sucessos e dos nossos fracassos, e depois alimenta a nossa existência quotidiana. Talvez esta oração suscite uma resposta do mundo invisível, pois, como acreditavam os antigos egípcios, o ser humano receberá o apoio incondicional dos Deuses se agir com justiça e sabedoria. Toda a cerimónia em si é uma oração em ação – uma forma de se ligar ao mundo arquetípico e de o pôr em ação.
A música, enquanto expressão harmoniosa do som, sempre desempenhou um papel central nas cerimónias de todo o mundo. Mozart compôs a famosa música para as cerimónias maçónicas e diz-se que Pitágoras a utilizava nas cerimónias realizadas na sua escola em Crotona. O movimento inclui posturas e gestos rituais, bem como a utilização das direções do espaço: as quatro direções cardeais mais o nadir e o zénite. Por exemplo, apontar para cima ou para baixo com a mão, virar para a esquerda ou para a direita, andar no sentido horário ou anti-horário, etc.
Para a mentalidade atual, dar importância a estas coisas é muitas vezes considerado um disparate. Mas em todas as tradições simbólicas, os pontos cardeais têm significados particulares. Para dar o exemplo mais simples, o leste simboliza o nascer do sol (nascimento), enquanto o oeste representa o pôr-do-sol (morte). Por isso, na cidade egípcia de Tebas (a moderna Luxor), os túmulos foram todos construídos na margem ocidental do Nilo, onde o sol se põe na montanha ocidental. Newgrange, na Irlanda, e Stonehenge, em Inglaterra, estão virados para leste, para que o sol nascente do solstício possa atingir um determinado ponto do templo e trazer iluminação e renovação aos participantes nos rituais.
Será que tudo isto não passa de fantasia e imaginação? Fantasia, não; imaginação, sim. Porque a imaginação é a capacidade de simbolizar e de se ligar ao que o símbolo (imagem) representa – o seu Ser. O sol neste mundo representa outro sol no mundo invisível: Deus ou o Grande Espírito. As quatro direções são símbolos vivos dos quatro grandes poderes que, em algumas tradições, se diz governarem o Cosmos.
Pensemos no cavaleiro que se ajoelha, num gesto de humildade, para ser tocado pela espada, símbolo da justiça, da vontade e do despertar espiritual, e depois faz o seu juramento de defender a justiça e proteger os fracos contra os fortes. Nesta cerimónia, temos uma postura, um gesto, uma oração (a palavra falada) e um objeto ritual. Na Índia, encontramos todo um sistema de asanas (posturas) e mudras (gestos rituais) que refletem a mesma importância dada a estes elementos.
Outros objectos rituais universais são as conchas – símbolos de nascimento e renascimento – usadas como recetáculos para as águas da vida ou, no caso das conchas, como instrumentos semelhantes a trombetas para despertar a alma da sua letargia, adormecida nas dobras da matéria: um apelo à batalha, a uma nova vida em vez da estagnação.
No antigo Egito, terra dos rituais mágicos por excelência, encontramos o cetro de Was, um bastão mágico com a cabeça do deus Set. Set é o instigador do caos e da confusão. Ao colocar a sua cabeça no topo deste bastão mágico, este transforma-se num poderoso instrumento de renovação e de força.
Nenhuma cerimónia estaria completa sem alguns aromas especiais, que evocam certos sentimentos subtis e elevados. O incenso, a mirra e o sândalo são alguns exemplos universais. Muitas pessoas estarão familiarizadas com a aromaterapia e poderão ter experimentado em primeira mão o poder dos aromas para induzir determinados estados psicológicos. Podemos também pensar nos seus opostos – cheiros desagradáveis – e na forma como estes fazem descer a consciência a um nível físico inferior.
O ocultista francês Éliphas Lévi observa num dos seus livros que a cerimónia não faz o mágico; o mágico faz a cerimónia. Sem precisar de ser um mágico, é verdade que é o participante no ritual que deve trazer o seu próprio ser para ele; que deve vir não como um suplicante, mas como um ofertante, um sacrificador (aquele que se torna sagrado), sem procurar qualquer recompensa. Como Confúcio bem sabia, um ritual realizado automaticamente é inútil, porque onde não há consciência não há elevação. Talvez seja ainda pior do que inútil, porque fazer algo sagrado mecanicamente degrada e corrói a Alma.
Julian Scott
Publicado na Revista New Acropolis (UK), em 1 de Outubro de 2020
Imagem de destaque: Ritual védico hindu. Creative Commons