Apesar da Filosofia Estóica estar dividida em várias etapas, existe uma série de elementos comuns que conferem unidade ao conjunto desta filosofia dentro dos quase seis séculos de desenvolvimento que experimentou.
Deve-se ter em conta que o Estoicismo é, de certa forma, o herdeiro da decadência grega, de uma época de profundas mudanças sociais e políticas que coincidem com a erupção do Império Macedónico e, sobretudo, com a morte de Alexandre, o Grande, que ocorreu por volta do ano 323 a.C. Não se trata, porém, de um período negativo no seu sentido lato, mas sim, de um momento de viragem histórico no qual existiu uma transição na forma de entender o mundo e o ser humano, apoiada pela estrutura organizacional da cidade-estado e da Ágora, para outra na qual as fronteiras de identidade são perdidas e esfumam-se no complexo crisol cultural da herança helenística.
Antes deste panorama, o espaço público, de origem Antiga e estímulo para a filosofia, torna-se insuficiente para resolver as novas questões que a instabilidade e diversidade política geraram na cidadania. Daí que, da mão das novas necessidades sociais surjam outras vias de reflexão e desenvolvimento humanos, modelos de pensamento actualizados e de acordo com as novas perspectivas históricas. É o caso da escola em questão, o Estoicismo, uma filosofia para tempos de crise, que diante da perda de valores e identidade própria dos momentos de mudança, convida o ser humano a olhar para dentro e a redescobrir a sua natureza universal através de si mesmo.
Por outro lado, o panorama filosófico que acompanha o Estoicismo no seu nascimento é tremendamente heterogéneo, pois, embora no século III a.C. o fértil legado Socrático estivesse também num claro estado de fraqueza, a grande variedade de escolas que surgem graças a ele (a Academia, o Liceu, a Escola Megárica, a Cirenaica, o Cinismo…) servem como substrato da filosofia Estóica ou «Zenoniana» (primeiro nome pelo qual será conhecida, em homenagem a Zenão de Cítio, o seu primeiro fundador). Também persistem na época alguns vestígios das mais velhas filosofías «pré-socráticas», como as escolas de Pitágoras, de Heraclito ou de Parménides, e a influência das «novas» tradições originais, que começam a abrir caminho no Ocidente graças ao comércio e às migrações. Por todas estas razões, a escola Estóica não se alimenta apenas da filosofia do momento, mas também bebe de três das grandes tradições da época: da tradição Semítico-Cananaica e a sua concepção moral, da tradição Socrática-Platónica e Aristotélica com a sua característica lógica e dialéctica, que fazem do lógos humano um reflexo do lógos universal, e da física de Heraclito, a partir da qual Zenão extrai toda a visão panteísta do mundo da sua filosofia e da sua percepção ígnea dos ciclos históricos.
De qualquer forma, de todas estas influências vale destacar a contribuição que, na tradição Socrática, a escola Cínica faz ao Estoicismo, pois é ela quem imprime esse carácter virtuoso à filosofia de Zenão e que o leva a procurar sempre um modelo de conduta que seja rigoroso e que lhe permita alcançar a autárkeia ou absoluta independência de tudo o que está no exterior.
Como os Cínicos, os Estóicos são naturalistas, isto é, buscam a frugalidade e o desapego vivendo de acordo com a natureza e despertando um profundo amor à vida. Esta perspectiva, unida a uma forte convicção de tudo quanto acontece ser causa, por sua vez, de uma causa anterior e necessária, leva os Estóicos a desenrolar uma absoluta confiança «naquilo que é provido», isto é, a pensar que só compete ao ser humano decidir como quer actuar diante das coisas que lhe foram dadas. Em torno desta concepção do mundo herdada de Heraclito e do amor fati ou do próprio destino dos cínicos, Zenão desenvolve três dos grandes temas do estoicismo:
- Deus e o cosmos são a mesma coisa (panteísmo). O espaço e o tempo são as próprias dimensões da divindade dentro das quais os seres desenvolvem a sua existência.
- A presença de Deus traduz-se em harmonia e simpatia universal. A presença temporal de Deus é expressada através do Destino e da Providência, assim como a sua presença espacial, é traduzida numa inter-relação compreensiva entre todos os seres.
Diante desta interpretação do destino, o Estoicismo reivindica um modelo vital e moral que busca concordância com a natureza em duas etapas: primeiro, tendendo à indiferença em relação ao que a causa externa nos dá, que deve ser aceitada sem desejar que seja diferente; segundo, acções e tendências subordinadas à actividade da natureza com a nossa vontade, isto é, querendo que as coisas sejam como o são. Para o Estoicismo, a sua filosofia divide-se em três campos harmónicos e inter-relacionados:
- A física (ou o que diz respeito à relação do ser humano com a natureza): o campo de desejos e aversões, aprendendo a desejar o que depende de nós e sendo indiferente ao que não depende de nós. Rejeita qualquer tentativa de fingir que as coisas são como gostaríamos que fossem. Entende que todas as partes que compõem a natureza estão interconectadas.
- A ética (a relação do ser humano com os outros): o campo de impulsos ou da acção. Agir apenas de acordo com o que depende de nós ou do que é bom para o todo. Sentirmo-nos cidadãos universais.
- A lógica (a relação do ser humano consigo mesmo): o campo do assentimento como faculdade de criticar e julgar cada representação, a fim de dar o nosso assentimento de acordo com um julgamento verdadeiro e objectivo. Busca a harmonia interior em relação com a harmonia inerente à natureza.
A partir deste prisma, a lógica ensina-nos a descobrir elos causais; a física, o tomar consciência da harmonia e da simpatia do mundo; e a ética, de que a ataraxía ou a imperturbabilidade da mente nasce do consentimento da alma no curso de todas as coisas. Os três têm um único objectivo: tornar-nos conhecedores da natureza divina como um todo compreensivo consigo mesmo, organizado e livre com o qual temos que viver em constante acordo.
O dever social
O dever social está, portanto, intimamente ligado à natureza social do ser humano, porque cada indivíduo se une aos demais por meio da inteligência universal em que todos participam, ou seja, ele está conectado por cima, primeiro pela cidade da humanidade e depois pela cidade física à qual pertence. Por esse motivo, para os Estóicos, existe um tipo de solidariedade cósmica que une fraternalmente todos os seres que participam do lógos universal e, por essa razão, existem deveres éticos e sociais a serem respeitados entre si e os outros, e entre todos e a natureza da qual fazem parte (o Homem é apenas mais uma parte do todo). Consequentemente, através do estudo da física, o ser humano toma consciência do seu papel no mundo.
No entanto, este conhecimento epistemológico da natureza implica para os Estóicos um processo prévio de ascetismo e de treino, uma vez que apenas o Homem sábio sabe como realizar esse processo adequadamente e, assim, chegar a uma compreensão correta do mundo. Desta forma, distinguem-se três graus possíveis de conhecimento: o estado de ignorância, o conhecimento básico da multidão (a opinião e a crença) e a ciência dos sábios, os únicos capazes de fazer a sua própria razão coincidir com a razão universal.
No meio do caminho entre a ignorância inconsciente do tolo e a sabedoria do sábio, existe a ignorância consciente do filósofo.
De facto, o processo epistemológico do Estoicismo baseia-se nesse reconhecimento socrático da própria ignorância, através de um itinerário cognitivo que é, ao mesmo tempo, empirista e idealista e que parte da premissa de que o primeiro contacto com a realidade do sujeito vem sempre da mão dos seus sentidos (cuja informação é sempre verdadeira porque transmite e reproduz, sempre, algo real). Assim, para os Estóicos, a primeira informação que o ser humano recebe do mundo é através de uma representação (visum ou fantasia), uma impressão sensível que geralmente produz uma reacção emocional na alma e à qual o sujeito pode reagir aceitando os seus efeitos ou rejeitando-os. Portanto, o Estóico considera que as coisas têm uma natureza própria diferente da que cada um percebe, porque uma vez que o sujeito recebe a impressão representativa, esta pode ser apreendida de maneira desapaixonada (que é o que o sábio faz) ou pode arrebatar o sujeito através da impressão que, de falsa forma, fez da mesma.
Em todo o caso, para o Estóico, a impressão anímica que as representações produzem é a mesma tanto para os sábios quanto para os ignorantes; por esta razão, a diferença reside apenas no julgamento que cada um faz no momento do contacto. Por este motivo, uma vez que a alma recebe imagens que provêm das sensações do corpo, deve ser desenvolvido um discurso interno compreensivo. Nesse discurso ou julgamento, o ser humano deve compreender que não são as coisas que o comovem, mas sim a ideia preconcebida que delas tem, isto é, a representação que fez das mesmas, e que ao não realizar esse julgamento correctamente se verá arrastado pelas circunstâncias sem poder determinar o que são ou de onde vêm.
Deste julgamento surge, também, um impulso de desejo ou de rejeição, pelo que, o ser humano ao sentir-se naturalmente inclinado para o bem e repelido pelo mal, deve tentar alcançar uma conclusão abrangente que o permita determinar se o que lhe foi representado é realmente bom ou mau. Portanto, para os Estóicos, a representação é como a impressão que o objecto, ou o evento, produz na alma e que é modificada de acordo com a qualidade e com a consistência desta última. Assim, na medida em que a alma é forte e independente, a modificação produzida pelo afecto ou aversão é menor, de modo que a representação está cada vez mais alinhada com a realidade.
Dor e desejo
Neste sentido, o Estoicismo diferencia quatro géneros de estados anímicos ou paixões em função do seu âmbito temporal de projecção. No presente, a dor como contracção irracional da mente quando confrontada com o que é considerado mau, e a concupiscência como consequência de um apetite irracional descontrolado por aquilo que consideramos bom. No futuro, o medo do que é considerado mau e que ainda não aconteceu e o desejo pelo que parece desejável.
Diante disso, o Estóico deve sempre ter presente três coisas: o que é o bem para ele; que a sua liberdade depende de opiniões; e que existe apenas o momento presente. Dentro deste quadro existencial, determina-se uma diferença fundamental entre as coisas que dependem de nós e as que não dependem, e entende-se que apenas as primeiras pertencem à esfera da vontade humana, sendo as outras indiferentes. Deste modo, considera-se que não são os eventos que causam danos e dor aos seres humanos, mas a forma como agimos diante deles, de modo que admirar o exterior só pode arrastar-nos para o medo e para a confusão inerente ao desejo desmedido. Essas vibrações da alma têm a capacidade de nos tornar escravos das circunstâncias e daqueles que têm poder sobre o que tememos ou desejamos. Por este motivo, o ideal de sabedoria Estóica é a ataraxía, ou a imperturbabilidade da mente, um estado de equilíbrio e de serenidade interior que só pode ser alcançado prestando mais atenção ao que acontece connosco internamente do que ao exterior.
Deve ser esclarecido que, ainda que para os Estóicos tudo esteja contido em corpos ou corpúsculos de forma a que tudo esteja em tudo, eles admitem a existência de quatro entidades incorpóreas, inteligíveis, inactivas e impassíveis: o expressável (o ser das coisas), o vazio, o lugar e o tempo. No entanto, cada uma delas expressa-se, por sua vez, no mesmo corpo: o expressável como o verdadeiro ser das coisas a serem alcançadas; o vazio, como oposição ao finito além dos limites do mundo no infinito; o lugar, como o espaço ocupado pelos corpos; e o tempo, como manifestação tácita do Destino e da Providência através do movimento.
O acesso a estas incorporações realiza-se mediante um bom uso das representações, para cujo julgamento e avaliação o ser humano deve sempre ter em consideração que apenas existem três actos que dependem da alma e que, por isso, são livres e não estão sujeitos a impedimentos, a saber, o desejo de adquirir o que é bom e a aversão ao que é considerado mau, o impulso para agir e o poder de fazer um julgamento apropriado sobre o verdadeiro valor das coisas. O resto das coisas, como realmente não dependem de nós, são também estranhas, inconsistentes, servis e sujeitas a impedimentos. Assim, por exemplo, o corpo, as riquezas, as honras e os reconhecimento ou o poder exterior são todos elementos sobre os quais não é possível exercer controlo absoluto.
Exercícios de virtude
Alguns exercícios Estóicos para alcançar esses Ideais de virtude e de comportamento são:
- Não expresses opiniões, descreve as coisas e os eventos desapaixonadamente, tal como realmente o são e não como os representamos (as coisas não nos afectam pelo que são, mas pela opinião que delas fazemos).
- Sê um atleta do acontecimento, vive a vida como uma prova.
- Dispõe de um conjunto simples de regras para aplicar em caso de dificuldade ou dúvida.
- Ouve e não tentes demonstrar nada. Fala apenas sobre o que conheces.
- Lê e reflecte por escrito. Examina no final do dia o que aconteceu e como reagiste. Recorde todos os dias o que é bom para nós.
- Ginástica e abstinência. Aprende a guardar silêncio.
- Diferencia o que depende de nós e o que não depende, mostra indiferença para com o último.
- Espera antes de reagir, examina as representações.
- Praemeditatio malorum. Devemos-nos antecipar ao que nos preocupa e decidir como queremos agir.
- Observa e coloca-te no lugar dos outros, tenta compreendê-los desapaixonadamente.
- Vê o mal como um erro de julgamento.
- Faz-te acompanhar por seres bons e nobres.
- Não concordes com a crítica nem com o insulto, mostra bom humor.
- Não fales sobre ti próprio, pensa no plural.
- Não culpes os outros, devemos buscar a nossa própria responsabilidade.
- Renuncia aos eventos, porque mais forte que a lei é a necessidade.
- Mata a ambição do exterior, buscando apenas a liberdade interior (ataraxía).
- Não te deixes levar pelo medo.
- Desconfia dos elogios.
- Devemos comprometer-nos e ser fiéis à nossa palavra.
Como podemos ver, o Estoicismo apresenta-se-nos como uma alternativa filosófica saudável para interpretar o mundo que, através da liberdade e da autarquia interna, torna o ser humano um sujeito independente, mas ao mesmo tempo responsável pela sociedade da qual é parte indissolúvel. Assim, com os seus postulados e a sua hermenêutica, esta filosofia convida-nos a ter uma experiência mais completa de nós mesmos, dos outros e da natureza, libertando-nos assim dos medos, das frustrações e dos complexos que se apegam a nós devido a uma má compreensão da vida em comunidade e que nos fazem viver numa espécie de conflito permanente de todos contra todos. Deste modo, com o seu ideal de cidadão do mundo e o seu arquétipo do sábio, o Estoicismo derruba os velhos muros do egocentrismo cultural e impulsiona-nos a elevar o olhar para além dos desgastados baluartes das diferenças raciais, religiosas ou culturais. Uma ascensão ao topo de nós mesmos, onde uma origem comum é intuída para todos os caminhos.
Bibliografia consultada e recomendada
Bréhier, É.: La teoría de los incorporales en el estoicismo antiguo. Editorial Leviatán. 2011.
Crisipo de Solos: Testimonios y fragmentos. Editorial Gredos. Madrid, 2006.
Zenón et alii: Los estoicos antiguos. Editorial Gredos. Madrid, 1996.
Elorduy, E.: El estoicismo. Tomos I y II. Editorial Gredos. Madrid, 1972.
Gagin, F.: ¿Una ética en tiempos de crisis?: ensayos sobre estoicismo. Universidad del Valle. Santiago de Cali, 2003.
Hadot, P.: Ejercicios espirituales y filosofía antigua. Editorial Siruela. Madrid, 2006.
Musonio Rufo: Disertaciones y fragmentos menores. Editorial Gredos. Madrid, 1995.
Epicteto: Disertaciones por Arriano. Editorial Gredos. Madrid, 1993.
Pigliucci, M.: Cómo ser un estoico. Editorial Ariel. Barcelona, 2018.
Rist, J.M.: La filosofía estoica. Editorial Ariel. Barcelona, 2017.
Juan Manuel de Faramiñán Fernández-Fígares
Publicado na revista Esfinge, Janeiro de 2020