«Eia, trabalha! A Natureza esquadrinhará as sublimes profundezas, pois, ao toque de Deus, serás fogo ardente»

Giordano Bruno

Quando meditamos profundamente sobre o conceito de infinito, parece que nos move um impulso angustiante, que constringe e imobiliza a nossa própria natureza, fazendo-nos reconhecer a finitude da inteligência humana, quando comparada com a infinidade de Deus.

A inteligência de Deus é infinita, porque é suprema, perfeita, eterna, absoluta, inumerável.

A semântica e a filosofia devem caminhar de mãos dadas, procurando exercitar uma correspondência plena entre a significação das palavras e a modelação dos conceitos.

As três primeiras perguntas de «O Livro dos Espíritos» são a esse propósito profundamente elucidativas, porque estabelecem uma relação entre Deus e o infinito, motivando um exercício de reflexão que nos fixa e suspende o pensamento, intemporalmente.

É próprio da imperfeição do ser humano que, em face da sua natureza, busque uma linguagem compatível e, não renegando a sua emanação de Deus, se resigne em silêncio, rendido à grandiosidade do seu Criador.

Como pode uma inteligência finita compreender uma inteligência infinita? Como compreender que uma inteligência finita exercite uma definição para Deus?

Santo Agostinho, na sua obra Confissões revelou a sua humilde condição de servo de Deus, ao definir Deus simplesmente com o verbo ser, «Antes de tudo, Deus É», porque nesta significativa entidade verbal ficam guardados todos os atributos de Deus.

A compreensão de Deus reside primordialmente na contemplação da sua obra, que é em si mesma infinita, na meditação da sua arquitetura, porque a criação de Deus «não tem começo nem fim».

Disse-nos Giordano Bruno (1548-1600), humanista e filósofo nascido em Nola no Sul de Itália, que deste modo se engrandece a excelência de Deus e se desvela a nobreza do seu império, porque não se glorifica apenas num sol, mas em inumeráveis sóis, não numa Terra, antes num milhão, ou melhor, em infinitos mundos. Apenas Deus conhece o infinito, deixou antever Giordano Bruno, mas Kardec, em «A Génese», afirma que «antegozamos a ideia do infinito, que somente de acordo com a nossa perfectibilidade futura poderemos compreender em toda a sua extensão».

Representação do Infinito. Domínio Público

Este filósofo, que desafiou o senso comum da sua época, foi evocado por León Denis na obra “Espiritismo e Cristianismo”, porque sofreu por uma grande causa, preferindo a tortura e a condenação pelo fogo, decretada pela Inquisição do Santo Ofício.

Entre as diversas obras brunianas destaca-se o título «Acerca do Infinito, do Universo e dos Mundos», a qual se constitui como um tratado filosófico sobre a infinidade do universo e a pluralidade dos mundos. Arrojou-se ao afirmar que o universo era infinito e que não estava delimitado pela oitava esfera de Ptolomeu (cientista grego da cidade de Alexandria, séculos I-II), aquela que representava o firmamento ou o lugar das estrelas fixas.

Giordano Bruno afirmou que a Terra não poderia ser o centro do universo porque o infinito não tem centro, antes era constituído por uma pluralidade de mundos vivos e animados. Desprovido das conquistas posteriores desbravadas pela Astronomia, o espírito ardente deste filósofo impetuoso parecia antever as novas fronteiras científicas do universo, convencido da existência de globos inumeráveis num universo infinito, composto de regiões e de mundos etéreos num espaço contínuo.

Três séculos depois da divulgação do pensamento bruniano, a Codificação de Kardec sustentava o princípio da pluralidade dos mundos como um dos pilares fundamentais da doutrina espírita.

A resposta à pergunta 55 está tão intimamente identificada com a convicção de Giordano Bruno, referindo-se à existência de tantos milhares de milhões de mundos semelhantes à Terra. Na Génese de Kardec encontram-se várias referências à ideia do universo infinito, num alinhamento que parece decalcado do pensamento bruniano. Conforme refere Kardec, a ideia de espaço infinito não tinha qualquer sustentação, porque estava incrustada num conceito ancestral designado por «firmamento», originário do latim «firmus» que derivou em «firmamentum», cujo significado é firme ou resistente, transmitindo a noção da existência de uma abóbada celeste fixa e rígida, precisamente figurada na oitava esfera de Ptolomeu.

Allan Kardec. Domínio Público

A palavra inovadora de Giordano Bruno soava neste tom pelas principais cidades europeias, primeiro em Itália e depois na Suíça, França, Alemanha, Inglaterra e em Praga, insistindo que são tantos os mundos quantos os pontos luminosos que a nossa visão consegue discernir no espaço celeste.

Argumentava Bruno que nenhum dos sentidos tem capacidade de negar o infinito, uma vez que a sua compreensão não é alcançada pelos sentidos, apenas pode ser negado com as palavras, «como fazem os teimosos». Também esta ideia vem configurada no pensamento de Kardec, manifestado em «A Génese», quando afirma que é impossível imaginar um limite qualquer para o espaço infinito, porque ao exercitarmos a sua percepção, permite-se-nos em pensamento avançar eternamente pelo espaço, apesar do embaraço e uma certa angústia em concebermos o infinito. Giordano Bruno exemplificou este exercício com a descrição de uma dada sucessão numérica, onde um número sucede a outro, e a outro, infinitamente.

Noutra passagem de «A Génese», Allan Kardec insiste na condição do espaço ser infinito para que a investigação científica prosseguisse sem limites e não fosse manietada pela restrição do nosso olhar. Giordano Bruno atendeu a mesma linha de raciocínio, porque os olhos observam os sóis que são os globos maiores, mas não conseguem olhar as outras terras, que aos nossos olhos se tornam invisíveis, por serem muito menores. Ao admitir a existência de «outras terras», o filósofo do infinito estava convicto da realidade de outros mundos habitados, de muitas moradas na Casa de Deus.

Giordano Bruno fora um espírito inconformado, laborioso, lutador, que advogou o exemplo de devoção ao amor dos apóstolos de Jesus Cristo, em contraste com o uso da força, do castigo e da dor, imperantes na sociedade do seu tempo. A sua condição de frade dominicano não o impediu de afirmar que o mundo não podia continuar impregnado de ignorância e, deste modo, não considerava alguma religião com conduta adequada ao progresso moral da sociedade. Ousou meditar e divulgar os seus pensamentos sobre o infinito e a pluralidade dos mundos, motivado por um ímpeto filosófico que o conduzia à dúvida de todas as coisas, escutando as outras posições, para as pesar e avaliar.

Conforme ele próprio argumentou, «jamais deve julgar ou censurar um enunciado apenas pelo que ouviu, pela opinião da maioria, pela idade, pelo mérito ou pelo prestígio do orador, devendo por consequência agir de acordo com uma doutrina orgânica que se mantém fiel ao real e uma verdade que pode ser entendida à luz da razão». Este princípio bruniano está coerente com a conduta da filosofia espírita, a qual complementamos com a sua reflexão sobre a imutabilidade da nossa substância, que determina a inexistência da morte, não só para nós como para qualquer substância.

Carlos Paiva Neves

Imagem de destaque: Estátua de Giordano Bruno, Ettore Ferrari. Campo de’ Fiori, Roma. Domínio Público