Estou a referir-me com este título à vida e obra de um filósofo Chinês chamado Mengzi, ou Mêncio conforme escrito na versão latina do seu nome.
Nascido na província de Zou por volta de 371 a.C. viveu num período conhecido como “Os Estados em Guerra”, que durou de 481 a 221 a.C. Foi provavelmente como resultado de ver muita crueldade e muito sofrimento entre as pessoas do seu tempo que Mêncio promoveu a sua filosofia da benevolência.
Mêncio foi um seguidor dedicado de Confúcio, e embora o conceito de benevolência (ren ou jen) seja uma parte chave dos ensinamentos de Confúcio, assume particular importância na filosofia de Mêncio. Duas das suas afirmações dão-nos uma ideia disto: “O homem benevolente não tem par”. E, “tudo o que se espera de um cavalheiro é benevolência”. Vendo as injustiças da sua época, ele chega à mesma conclusão do seu mestre: “se os governantes fossem modelos exemplares do que um ser humano deveria ser, o mundo inteiro também seria assim”, como Confúcio poeticamente escreve nos Analectos.
Existem quatro fatores na construção de um ser humano modelo no Confucionismo: Benevolência (ren), Retidão (yi), Responsabilidade (li) e Sabedoria Moral (zhi). No entanto, em Mêncio – o livro contém um registo das conversações com o filósofo – há uma particular ênfase nos primeiros dois: “Tudo que importa é que haja benevolência e retidão”.
Benevolência também é traduzida como “amabilidade” e Mêncio muitas vezes se refere ao “verdadeiro coração”, que seria uma combinação de benevolência e retidão. Tendo um coração reto, uma pessoa naturalmente sente compaixão por outros. Ele dá um exemplo de como isso é inato nos seres humanos, dizendo que qualquer pessoa que encontrasse uma criança que tivesse caído num poço tentaria naturalmente resgatá-la. Em segundo lugar, quem tem um coração reto, não se trai a si próprio, o quer dizer que se mantém fiel ao seu sentido inerente de certo e errado. Estas qualidades estão incutidas em nós, desde o nascimento, pelo “Céu” (Tian), o que é mais ou menos equivalente ao conceito ocidental de Deus.
Mêncio, como Confúcio, acreditava que o ser humano é essencialmente bom. Ele contraria o argumento de outro filósofo, Kao-tzu ou Gaozi, que declarou: “A natureza do homem é como uma corrente de água. Se abrir um canal para a corrente para o leste, esta fluirá para leste. Se abrir um canal para oeste, este fluirá para oeste. A natureza dos homens não faz distinção entre o bom e o não bom, tal como a água não faz distinção entre o leste e o oeste”. O Mestre Meng (Mêncio) respondeu, “É certo que a água não faz distinção entre o Oriente e o Ocidente; mas será assim em relação a subir e a descer? A tendência natural dos homens para o bem é como a tendência da água para encontrar o nível inferior. Agora, se, por exemplo, se atingir a água e a fizer saltar, é possível colocá-la sobre a cabeça… Mas esta certamente não é a natureza da água, e é apenas se for aplicada força que ela age desta forma. Que os homens possam ser obrigados a fazer o mal é devido ao facto de a sua natureza também ser assim”.
No entanto, Mêncio reconhece que a maioria das pessoas, se privadas das necessidades básicas, esquecerão a retidão e a benevolência e tentarão salvar a sua pele. O ‘cavalheiro’, porém – o Junzi ou pessoa de carácter nobre e cultivado – continuará a aderir ao bem, mesmo nas circunstâncias mais difíceis. Numa das muitas conversas que Mêncio compôs, o sábio coloca-o desta forma: aqueles que fazem um esforço apenas quando há um Rei Wen [um dos reis mais venerados da China, 1100-1050 a.C.] são homens comuns. Os homens notáveis fazem o esforço mesmo sem um Rei Wen”.
Mêncio era de uma família nobre e poderia (como no caso de Platão) ter entrado na carreira política. No entanto, exceto um breve período a servir como oficial no estado de Ch’i, ele passou a maioria do seu tempo a viajar, dando sábios conselhos a vários governantes através do ren (amabilidade).
Embora defendesse uma causa impopular, era destemido ao falar o que pensava aos homens de poder e era considerado com grande respeito em muitos tribunais chineses. Numa das conversas registadas, Mêncio, por exemplo, critica um governante por ter pena de um boi ser levado para sacrificar-se e, no entanto, não tem pena das pessoas que sofrem injustiça no seu reino.
Aqui estão alguns exemplos dos conselhos que deu aos príncipes sobre o governo humano: “Praticar um governo benevolente para com o povo, reduzir as penas e os impostos…”. Resumindo os seus ensinamentos sobre este assunto, a Enciclopédia Britânica declara: “Ele elaborou um programa definitivo para alcançar a suficiência económica para o povo comum. Também defendeu impostos leves, comércio livre, conservação dos recursos naturais, medidas de bem-estar para os idosos e desfavorecidos, e uma partilha o mais igualitária possível da riqueza”.
Um governante perguntou-lhe:
“Através de quê pode o Império ser unido?
Mêncio: ‘Através da unidade’.
‘Quem pode uni-lo?’
Mêncio: ‘Aquele que não gosta de matar pode uni-lo’.
E, noutra conversa:
“Quão virtuoso deve ser um homem antes de poder tornar-se um verdadeiro rei?”
Mêncio: ‘Ele torna-se um verdadeiro rei ao trazer paz ao povo… Se partilhasse o seu gozo [parques, música, etc.] com o povo, seria um verdadeiro rei’.
E finalmente:
Quando homens bons e sábios estão em altos cargos e homens capazes são empregados, um governante [deveria] aproveitar os tempos de paz para explicar as leis ao povo… [Mas] um governante que aproveita os tempos de paz para se entregar ao prazer e à indolência é um desastre como rei”
Tudo isto se resume ao ponto de vista de Mêncio de que a função do governante é servir o povo, e não o contrário. “O povo é o elemento mais importante de uma nação; os espíritos da terra e o grão vêm a seguir; o soberano conta por último”.
Se, por outro lado, as pessoas pensam em termos de lucro, então tudo está condenado desde o início, porque no final, todos, desde o governante para baixo, se colocarão em primeiro lugar e ninguém pensará no bem do todo…
Infelizmente, porém, o conselho de Mêncio caiu em ouvidos surdos, e outras filosofias mais cínicas ou simplistas encontraram maior favor junto dos príncipes governantes. Como resultado, seguindo o exemplo do seu mestre, Confúcio, ficou desapontado com “a pregação no deserto” e dedicou os seus últimos anos à instrução dos seus alunos.
Notavelmente, os seus esforços deram finalmente fruto – mais de 1.000 anos mais tarde, quando o seu trabalho recebeu o estatuto ‘canónico’ pelos neo-confucionistas da dinastia Song (960-1279 d.C.) e, ‘durante os últimos 1.000 anos, Mêncio tem sido venerado entre o povo chinês como o cofundador do confucionismo, atrás apenas do próprio Confúcio’.
Julian Scott
Publicado em New Acropolis Library em 12 de Maio de 2021
Referências do artigo
Chinese Philosophy in Classical Times, editado e traduzido por E.R. Hughes www.britannica.com/biography/Mencius-Chinese-philosopher
As citações são retiradas de edição Penguin Classics de Mencius, traduzida por D.C. Lau. www.britannica.com/biography/Mencius-Chinese-philosopher
Imagem de destaque: Mengzi, ou Mêncio (371-289 a.C.). Domínio Público