O Anfitrião releu a lista de “Ilustres” que lhe tinha sido entregue pelo “Mestre” e achou-a estranha, porquê exactamente aqueles convidados? Mas não tinha que fazer perguntas, ele lá teria as suas razões e abriu as portas do imenso Salão onde se realizaria o Consílio e reparou que já lá estavam a maioria dos “iluminados”. Era necessário resolver o problema da água… e quase instintivamente, olhou meditativamente para o pequeno planeta azul que se divisava lá ao longe, pequenino, pela imensa janela do Salão… desde que chegara àquela “plataforma “ espacial, que se habituara a observar os astros de uma forma fantástica…
Carl Sagan foi o último a sentar-se. Antes dele, há 41 anos terrestres tinha acabado de chegar àquela “estação” Albert Einstein.
No grande salão inundado de clarões de luz, já se encontravam bem sentados todos os outros convivas. Pelos imensos janelões do salão admirava-se o cosmos, um hiperespaço luminoso e vasto onde o tempo era infinito. Enfim todos reunidos, o anfitrião resolveu iniciar a sessão.
O anfitrião informou que a razão de ali estarem era, como todos sabiam, a falta de água num dos planetas da Via Láctea, o planeta Terra, que levaria muito brevemente a que se tomasse mediadas drásticas para que o “projecto” não falhasse e o planeta não tivesse que ser abandonado.
Criou-se um impasse inicial, por instinto, todos olharam para Tales de Mileto o ancião do Grupo, o mais velho entre eles. Seria Tales a iniciar o seu discurso. E iniciou tomando um copo de água na mão, afirmando: Brindemos meus caros amigos, à filosofia, com a substância primordial. – Todos beberam e brindaram à filosofia. A seguir Sagan propôs também um brinde, ao planeta azul, aquele que se avistava lá ao fundo e fruto de tantos cuidados, e todos brindaram de novo.
Iniciou então Tales: “Como sabem hoje a água é um bem valioso, talvez venha a ter um valor mais elevado que o próprio ouro, se se lembram cheguei a afirmar que tudo que conhecemos é feito de água, ela é a origem de todas as coisas, o homem é apenas mais um desse meio, pois só a água está cheia de vida, reparem nas suas diversas formas: vapor, líquido, gelo…” … Logo, Aristóteles que estava perto dele, não o deixou continuar e afirmou: “Meu caro Tales, ao estabelecer a proposição de que a água é o princípio absoluto, provoca como consequência o primeiro distanciamento entre o pensamento racional e as percepções sensíveis. Muito bem, mas não pode abordar a água sem referir também o fogo, o ar e logo a terra”.
Então Pitágoras, mesmo ao lado de Tales interveio: “Amigo Aristóteles é a água o tema do nosso pensamento e portanto, não dispersemos. Todas as coisas são números. O próprio cosmos enquanto regido por relações matemáticas tem na água uma combinação química, as reacções químicas da matéria deram origem à criação e a água é necessária à vida. Enquanto límpida e pura, dessedenta o ser humano, a própria natureza não vive sem ela e logo, todo o planeta. Não há princípio criador sem ela… nada no Mundo fará sentido, tudo secará e morrerá… Apenas nos restará a alma!”
Calado até então, interrompe Sócrates repentinamente: “Como pode o homem viver apenas em espírito num mundo terreno? Todo o espírito necessita de um corpo, logo todo o corpo necessita de água. Portanto por dedução, a água alimenta a alma. O que os homens fazem é que utilizam a água sem racionalidade, portanto, os erros são consequência da ignorância humana. Não interessa informar o ser humano apenas da utilidade da água, mas obrigá-lo a ser racional, deve encorajar-se a compreensão total sobre o assunto. A melhor forma das pessoas evoluírem é reconhecerem a sua ignorância, e a da temática da água é uma delas… Nem o facto de terem sede despertá-los-á para a realidade do desperdício, porquanto naquele momento viram a sua sede satisfeita! É como o homem perto do precipício, enquanto tiver pé sabe que pode ainda recuar, mas ignora que basta dar um passo em falso.”
De seguida levanta-se Platão e diz: “Meu caro Sócrates, o problema está em que o que captamos com os “olhos do corpo” são formas físicas e as coisas que captamos com os “olhos da alma” são as formas não-físicas. Portanto a similitude está em que quem vê com olhos não o faz com o coração, e portanto, aqui temos o mesmo problema com água, quem a bebe não tem a noção daquilo que bebe, apenas quer matar a sede. A sabedoria leva á felicidade, mas há desigualdade nas inclinações nos homens para a prática da virtude; uns contentam-se com a coragem, outros com a temperança; poucos, no entanto, buscam a virtude perfeita. Por isso nada há a fazer, haverá sempre aqueles poucos que poupam a água e a reconhecem como um bem valioso e aqueles que nunca abdicarão de continuar a regar os seus jardins. Assim como outros a utilizarão para ganhar dinheiro. A existência do Estado é necessária para a prática da virtude. Só a inculcação da ideia da água enquanto bem público e restrito poderá racionalizá-la, mas para isso os estados tem de conceber as suas políticas acreditando que o ser humano é escravo da água, não vive sem ela, portanto a solução esta nas políticas dos estados.”
Todos ficaram ensimesmados, deglutindo ainda as últimas afirmações de Platão.
A seguir foi a vez de Aristóteles se debruçar sobre o problema e levantou-se argumentando desta forma: “Meus amigos, isto da água, não deixa de ser um problema de ética. A ética tem por fim melhorar as nossas vidas e, portanto, a sua preocupação principal é a natureza do bem-estar humano. Portanto é egoísta aquele que desperdiça água sem pensar nos outros enquanto um bem comum. O Homem deveria pensar em fazer o bem que é o que difere a acção do homem dos outros animais. Acredito que as virtudes éticas da justiça, da previdência e da temperança no caso da água sejam habilidades complexas racionais, é necessário fazermos uma apreciação adequada da maneira em que os bens, tais como a água se enquadram num bem estar geral para a comunidade. Esse entendimento geral aprende-se com a educação e depois a prática desse bem. Portanto algo continua muito mal na educação humana. Concordo portanto com o meu amigo Platão. Só a aplicação de uma educação com a aprendizagem de novos princípios éticos e morais, tornará uma sociedade preparada para a resolução dos eventuais problemas da falta de bens, como é hoje o da água.”
Tendo sido convidado pelo nosso anfitrião, Agostinho de Hipona, ao lado de Aristóteles, quase adormeceu pela fastidiosa conversa dos anteriores convivas. A reunião ainda estava a meio, mas felizmente uma suave brisa vinda dos confins do universo, flutuava agora no grande salão, ainda mais iluminado. Agostinho, confrontado pelo nosso anfitrião a pronunciar-se sobre o que pensa da eventual falta de água no planeta Terra, comentou como segue: “ assim como Deus é único e suficiente, também o homem conseguirá, em última instância pensar sobre o problema da água. E adianta: “O homem é como a água, molda-se em conformidade com a realidade e as circunstâncias, ele tem fé e pensa que a água é uma fonte inesgotável, que nunca acaba, porque a água sempre transbordou a seus olhos, e só quando perder fé na abundância é que irá reflectir sobre isso, portanto, o erro não está em acreditar numa única verdade, mas sim em pensar que o homem não é capaz de acreditar. Acreditar que a água é uma graça de Cristo, é indispensável para a liberdade humana. Para além disso, não podemos aceitar que todos os homens pensem da mesma forma, pois o novo sujeito humano é provido de uma memória cheia de recantos, de dédalos e uma inferioridade que é múltipla e não una. Como pode ele então entender a racionalização? Eu diria que para o homem de hoje… enquanto houver, abusa-se”.
No imenso salão a luz exterior ia-se coando aos poucos, estrelas cadentes rasgavam agora os céus, com frequência, deixando um rasto luminescente. O nosso anfitrião fez um pequeno intervalo e mandara servir “alimento espiritual”, para contento de todos.
Junto a Agostinho estava Descartes que se virou para ele e disse: “Meu estimado Agostinho, a mente humana é de natureza imaterial, ou seja, não tem forma, peso ou medida, porém, é provida de capacidade de pensamentos e de outros processos cognitivos proporcionando ao ser humano informações sobre o mundo exterior. Portanto, convenhamos, uma boa campanha sobre o bom aproveitamento da água poderia resultar, os humanos com certeza percebê-la-iam. Deve agir-se antes de os problemas ocorrerem, e até prever-se o comportamento humano perante determinados reagentes. Deve duvidar-se de que somos capazes de fazer algo sem que para isso sejamos alertados, o homem ao beber, não está a pensar que a água é escassa, bebe e satisfaz-se. Mas isso não quer dizer que ele não tenha uma noção de que a água que bebe pode vir a ser um bem escasso. Não minimizemos a mente humana meu caro Agostinho, o homem filósofo está disposto a encontrar uma base sólida para servir de alicerce a todo o conhecimento. A separação entre sujeito e objecto do conhecimento torna-se fundamental. Portanto qualquer humano está receptivo a racionalizar os problemas concernentes à falta de água naquela pequena esfera, que se vê ali ao fundo…”
Do outro lado da mesa, encontrava-se Karl Marx, que se deleitou com esta crítica de Descartes a Agostinho de Hipona, e então, instado pelo nosso anfitrião a pronunciar-se sobre o problema, pois era a sua vez, disse: “o verdadeiro problema da água existe, mas deve-se mais ao facto de ser comercializada, pois ela existe livre na natureza e assim como o ar e o fogo, na sua essência são bens naturais, não deveriam ser utilizadas como mercadoria lucrativa, mas sim disponibilizados gratuitamente pelo estado à sociedade. E ainda, que, é o facto de o homem ter que trabalhar para adquirir este bem que o leva a usufrui-lo de forma desmesurada, já que, implica um custo e dessa forma cria como que uma espécie de posse do bem adquirido. Todavia a posição mais apropriada é a que se posiciona contra qualquer separação drástica entre teoria e prática, entre pensamento e realidade, porque essas dimensões são abstracções mentais que, no plano concreto, real, integram uma mesma totalidade complexa. Ou seja o ser humano necessita de apoiar a sua prática num pressuposto teórico, se preciso de beber para viver, logo tenho que adquirir esse bem, à custa, neste caso, do trabalho servil, mas isto leva-nos a um círculo vicioso, onde só o trabalho gera, no dia a dia, mais riqueza para obter mais água. Portanto só o estado enquanto ser colectivo poderá instituir medidas de distribuição da água de forma a regular o seu preço e a prevenir a escassez do bem nos tempos futuros.”
O consílio estava a terminar e o nosso anfitrião, nunca se sentiu tão feliz por reunir, ali, numa tarde, tão grandes filósofos e pensadores, para dar uma solução aos terráqueos, sobre o futuro problema da falta de água e o que fazer para que o planeta continue a ser um paraíso habitável.
Faltava ouvirmos dois convidados. Einstein era um deles. Humildemente, levantou-se e começou por dizer: “A água é essencial para que o fluxo universal se manifeste e as desculpas pela falta de tempo e de meios para controlar a distribuição da água pelos terráqueos é apenas uma desculpa da falta de planeamento. Para o homem os problemas significativos com os quais nos deparamos, não podem ser resolvidos no mesmo nível de pensamento em que estávamos quando eles foram criados. Portanto a abordagem de qualquer temática tem de ser feita sempre a posteriori, isto é, estudar a causa e efeitos e muitas vezes nestes casos, a imaginação é mais importante que o conhecimento. Algo só é impossível até que alguém duvide e acabe provando o contrário. Sabemos que as mudanças não são sempre bem-vindas, principalmente pelas mentes medíocres, portanto, o racionamento da água iria originar revoltas e convulsões, sendo que para mim, uma solução válida partiria das mentes elevadas, aquelas que se distingam pela sua independência de juízo e não apenas pela sua rapidez de raciocínio de forma a contemplar todos para o bem de todos, e é isso que estamos a fazer aqui, não podemos simplesmente chegar lá baixo à Terra e dizer-lhes: meus amigos, a partir de hoje vamos colocar um mecanismo para Vos controlar a água que consumis: isso era radicalismo, portanto apoio o colega Agostinho, quando diz que o homem tem fé, e será essa fé que o há-de salvar, para o bem ou para o mal.”
Estávamos perto do fim da nossa discussão, e o nosso anfitrião tomava as devidas notas que teria que apresentar ao seu “Mestre”. Seriam os resultados deste elevado e “iluminado” consílio. Então, emocionado por estar na presença de tão elevados cérebros, o nosso último convidado, Carl Sagan usou da palavra: “Não me admirava nada que a evolução do ser humano fosse de tal forma de provocar no futuro a procura de água noutros planetas ou o abandono do próprio planeta. A evolução tecnológica para tal chegará, penso, antes dessa necessidade premente, acredito ainda no bom senso da Humanidade em criar sistemas de gestão que regularão o consumo e a distribuição da água. De qualquer forma devemos manter a mente aberta, mas não tão aberta que o cérebro caia, pois que o primeiro vício da humanidade foi a fé e a primeira virtude foi o cepticismo”.
“Caros amigos olhem de novo para aquele ponto ali (e apontou para longe, num dos janelões do salão). Aquele astro foi a nossa casa durante muito tempo. Sagan continuou: a nossa espécie viveu ali, num grão de pó suspenso num raio de sol. A Terra é um cenário muito pequeno numa vasta arena cósmica. Mas, pensai nos rios de sangue derramados por todos aqueles generais e imperadores, para que, na sua glória e triunfo, vieram eles ser amos momentâneos duma fração daquele ponto. Pensai nas crueldades sem fim infligidas pelos moradores dum canto a outros doutro canto, quão frequentes as suas incompreensões, quão ávidos de se matarem uns aos outros, quão veementes os seus ódios”.
“As nossas exageradas atitudes, a nossa suposta auto-importância, a ilusão de termos qualquer posição de privilégio no Universo, são reptadas por aquele pontinho de luz frouxa. Aquele planeta é um grão solitário na grande e envolvente escuridão cósmica”.
“Não há, talvez, melhor demonstração das tolas e vãs soberbas humanas do que esta distante imagem daquele pequeno mundo. Para mim, acentua a nossa responsabilidade para nos portar mais amavelmente uns para com os outros, e para protegermos e acarinharmos o ponto azul pálido. O cosmos é tudo o que existe, existiu, ou existirá, mas o pequeno ser que ali vive não o compreende e só a sua constante aprendizagem, como o tem feito até agora, o levará um dia, a vislumbrar horizontes mais elevados, e lembrem-se que eles são também uma pequena partícula de que é composto este nosso imenso cosmos e um dia despertarão para a sua própria realidade e estarão aqui connosco mais cedo do que pensamos”.
Por momentos todos se silenciaram, bebendo e meditando ainda nas últimas palavras de Carl Sagan. Neste silêncio todos olhavam embevecidos o pequeno ponto azul. O cosmos iluminado por galáxias, estrelas e nebulosas divisava-se pelas imensas janelas do salão. E o silêncio mantinha-se… um silêncio introspectivo que se espraiou lentamente e foi penetrando no espírito de cada um dos convivas, de tal forma, que todos ouviram distintamente, a grande porta do salão, a encerrar-se, suavemente, soltando um ligeiro estrépito da fechadura. O nosso anfitrião acabara de abandonar o salão com o pensamento certo de que o seu trabalho tinha sido bem feito.
Interesante diálogo filosófico. Lástima que ninguno de los “iluminados” haya referido el gran problema de la escasez de recursos y la imperiosa necesidad de ajustar racionalmente la población mundial de modo que TODOS puedan vivir dignamente. Que TODOS tengan acceso a los recursos naturales, a la educación y a un espacio vital no contaminado. Nos estamos convirtiendo en un virus letal o en un cáncer para la Tierra, con nuestra codicia y la necesidad de que nuestras economías están eternamente aceleradas hasta un garantizado colapso.De todos modos, lo que nosotros lo hagamos, la Tierra lo hará por nosotros sin importarle la violencia que pueda ejercer, justo efecto de cómo la estamos tratando.