Este texto de José Carlos Fernández foi inspirado na fotografia acima de Pierre Poulain, fazendo parte de um projeto intitulado FiloFoto.
Nos textos filosóficos e místicos hindus, como, por exemplo na Bhagavad Gita, diz-se-nos que o que busca Deus deve alimentar-se com a cinza do próprio sacrifício. E que este sacrifício é Sacro Ofício, ou seja, santo ritual. Na Índia, e em tantos outros povos isto era representado pelo que era oferecido a um Fogo Sagrado, cujas alegres chamas devoravam a oferenda para a converter em luz, para elevá-la ao céu, abrindo uma porta mágica pela qual se entrava na dimensão dos poderes que nele reinam.
O próprio trabalho era considerado não uma maldição, “ganharás o teu pão com o suor da tua testa”, mas um alegre sacrifício, uma santa festa de serviço, de criatividade. Uma oferenda cujos lampejos de mística luz, como ensina o professor Livraga (1930-1991), nasciam, radiantes, da boa vontade e eficácia na dita ação altruísta. Sri Ram, o sábio hindu, mestre deste último, recordar-nos-ia que o sacrifício não é dor nem privação, mas alegria e plenitude. Sofre a madeira que está a ser queimada, até que se dá conta que na realidade não era tal, mas luz, antes crucificada na matéria, agora livre. Sofre o ignorante quando é obrigado a cumprir um dever, até que este o faz mais livre e mais sábio e o preenche de alegria imortal, e toma consciência de que o caminho do dever, como o da madeira que se converte em luz, é um caminho de alegria.
Alimentar-se com cinza do sacrifício é não buscar, cego pelo desejo, o benefício na ação que realizas, mas banhar-te na alegria da própria ação, boa, útil, eficaz, em sintonia com a Roda de Ação que faz mover o universo. Ombro com ombro, mão na mão com os teus companheiros de vida ou de Ideal, na mais alegre e mais antiga de todas as cerimónias, a de trabalhar juntos, um rito de criatividade, que transforma a matéria e nos transforma a nós próprios, que nos irmana com a Natureza inteira, cujo canto e dança de trabalho é incessante. Não há maior tortura, e como tal aplica-se, que condenar alguém a não fazer nada, ou pior ainda, a fazer algo inútil, sem finalidade. Primeiro apodrece e estanca a alma, depois a saúde do corpo, que necessita movimento, trunca-se o vínculo com a finalidade que é intrínseca a tudo, esfuma-se pouco a pouco o sentido de pertença, pois tudo o que vive está unido por vínculos de ação, seja esta visível ou invisível. Mas o trabalho deve nascer de uma vontade livre, ou seja, não submetida escrava de ninguém, e menos do desejo do fruto da ação, que, como dizia a Bhagavad Gita, vai oxidando o metal da alma, vai cobrindo de fumo escuro a sua chama, fá-la isolar-se na sua ignorância, até a converter num ente repetitivo, um robot com forma humana.
E o melhor de todos os trabalhos, o mais feliz, é o iluminado pelo amor, o que se converte em luz no rosto e sorriso nos lábios; o que nos irmana, não já somente com a Natureza, mas com a sua alma e todas as suas potências angélicas, que amam estar com aqueles que amam o seu trabalho, e mais ainda com aqueles que trabalham impulsionados por um Ideal luminoso e de esperança.
As pessoas que trabalham com alegria, são as que redimem o mundo das suas misérias, benditas sejam!