Segundo uma remota tradição egípcia recolhida e poetizada pelos gregos, a esfinge é um monstro com corpo de animal e cabeça de homem, que existe e não existe.
Descartando desde já as efémeras formas de crença dos distintos povos, que atribuíram caráter objetivo e tangível a esta criatura, a esfinge é um símbolo. Um símbolo não é uma mera fantasia, mas uma realidade psicológica prenhe de significados.
Os modernos mitólogos desfizeram-se rapidamente do problema, atribuindo a sua importância tradicional a uma simples oposição absurda de caracteres animais e humanos que se impõem pelo terror ancestral, que seria o fundamento comum a toda a ignorância. Mas o nosso desconcerto a respeito de um fenómeno da natureza, objetiva ou subjetiva, não o invalida; os relâmpagos, o granizo, o medo e a inveja, por exemplo, sempre existiram desde que a humanidade existe como tal, independentemente da opinião e do juízo dos homens. As coisas são ou não certas à margem do registo que se tome delas e a interpretação que se lhes dê.
O mito da esfinge é uma representação da captação de um momento no devir da Natureza, é um monumento à evolução a que estão submetidas as ideias e os seres vivos que são seus reflexos, é um altar erguido à inexorável Realidade.
Quando nos referimos ao Indivíduo, reconhecemo-lo como tal apenas quando a Ideia-Indivíduo consegue assenhorear-se do marco biológico de elementos físicos, vitais e psicológicos, e ainda dos raciocínios mecânicos que o limitavam e escravizavam ao comum dos homens. Enquanto essa Ideia-Indivíduo não tiver conseguido autorrealizar-se e harmonizar os seus suportes menos nobres, nem estes nem a ideia terão existência real e o Indivíduo não o será de facto, mas apenas um mero conjunto mais ou menos caótico e circunstancial. Ao falar de Estado, afirmamos a mesma posição de um Ideal harmonioso e harmonizador das partes integrantes, e enquanto não se alcança – pelo menos num grau básico – esta harmonização e clarificação de fins, o Estado não será tal, mas apenas uma forma complexa de sociedade.
O Ideal do Estado é que justifica o atesourar de experiências e realiza-as em benefício do futuro. Mas este Ideal na sua direcionalidade ou destino existencial necessita de um elemento que esteja capacitado para captá-lo.
Estando o Estado constituído por subestruturas com diferentes idades evolutivas e características de crescimento divergentes, a sua função principal não consiste em dobrar vontades nem falsear naturezas, criando dolorosos e frágeis artifícios, mas em encontrar a fórmula conciliadora, sem sacrificar o melhor, o que já foi alcançado, pelo pior ou por alcançar.
A velha Esfinge era representada com corpo de touro, garras de leão, asas de águia e cabeça de homem, deitada sobre o ventre, silenciosa e olhando para o Este, por onde sai o Sol.
Os mitólogos analisaram a Esfinge, mas será que se perguntaram como nasceu a Esfinge e se sempre esteve deitada com a sua cabeça humana olhando o Oriente e com os seus lábios sorrindo enigmaticamente?
A antiga versão egípcia, hoje praticamente desconhecida, diz que as partes da Esfinge cresceram em animais diferentes, que deles surgiu uma cabeça de aparência humana, mas muda e terrível; que esta criatura corria, nadava e voava, devorando e destruindo o que encontrava no seu caminho, até que Thot (o deus Hermes da versão grega, o Mercúrio dos romanos, o Buda dos proto-indoeuropeus) penetrou nela, animou a insensata cabeça e então a horrível besta deitou-se, domada, sobre o seu ventre. A lenda quer que quando o homem a compreender, nalgum amanhecer, a Esfinge se lançará ao mar que a espera próximo das suas garras (no monumento egípcio chamado “Esfinge de Gizé”, o símbolo é hoje incompleto por se ter secado o que antes foi mar, deixando o seu leito arenoso a descoberto), e então, a Inteligência, que é Thot-Hermes, ascenderá com o primeiro raio de Sol, libertando-se do mundo fenomenal e condicionado.
Embora o simbolismo seja muito complexo, em linhas gerais fala-nos da longa evolução e difícil sincronização das formas animais, do homem primitivo sem mente, do advento da consciência, do Eu, e do seu triunfo derradeiro sobre a besta que a sujeita, e a sua evasão do panorama material em direção à esfera das Ideias Puras, o plano dos Arquétipos, como diria Platão.
O pensamento grego, através de Édipo, o herói de Sófocles, reafirmou o significado primitivo, fazendo que o personagem principal da obra, cujo nome – Édipo – significa “pés inchados” ou “caminhante”, resolva a pergunta da Esfinge referente ao Homem, matando-a depois. Assim, ele partiu em direção à sua grande prova, à sua realização final nas mãos de um destino cósmico inescrutável.
No âmbito da política, a Esfinge representa o bom governo, com a inteligente cabeça reitora das subestruturas menos evoluídas – impedindo-as de combater entre si e de fazer danos aos outros – bondosamente ajustadas e à espera de um fim imposto pela Natureza, mas realizado graças ao esforço do Homem. As paixões, os ódios, as inércias, a irresponsabilidade e a evasão moral sempre presentes, em algum grau, na natureza do povo não instruído, transmutam-se e dulcificam-se, e esse povo converte-se em verdadeiramente humano, adquirindo consciência do Eu, deixando por baixo os anteriores estados evolutivos e libertando-se finalmente de toda a carga material e limite psicológico. A garra, o casco, a asa, convertem-se em elementos inteligentes, em virtudes metafísicas, perduráveis, e vão desde a obscuridade à luz, desde a morte à imortalidade, como nos diz a tradição oriental.
Assim, o processo da Esfinge é o do Indivíduo, o do Estado; enfim, é o da Humanidade.
Mas, entendendo que o Governo não é o poder de uns homens sobre os outros, mas a imagem ordenadora e diretriz da vontade do conjunto, devemos considerar as suas funções na tarefa de manter a unidade do estado, e de promover e expandir para a generalidade universal todo o positivo que se manifesta nos seus integrantes.
Devemos ver mais próxima a conversão da potência em ato, da ideia em palavra, da força em trabalho, do amor sentimental em fraternidade total.
Jorge Ángel Livraga
Publicado no livro Artigos Jornalísticos, Edições Nova Acrópole.