Fotografia de Pierre Poulain / www.photos-art.org

Este texto de José Carlos Fernández foi inspirado na fotografia acima de Pierre Poulain, fazendo parte de um projeto intitulado FiloFoto.

We must obey the time” (“Devemos obedecer ao tempo”), diz, num momento, a personagem trágica de Otelo na obra de Shakespeare do mesmo nome. Ele que sentiu como o relógio da sua alma perdia o compasso arrastado pelos ciúmes, até levá-lo à loucura e ao suicídio; estava a advertir-se a si mesmo que o tempo, como rei e senhor do nosso mundo, é quem nos abre a porta ou não, ao luminoso das verdades sem sombra. Se numa orquestra todos os instrumentos obedecem ao compasso – cuja força anímica guia o diretor – as melodias de cada um entrelaçam-se na majestosa beleza e harmonia do conjunto: tudo parece bater ao som de um mesmo coração. Se não é assim, o barulho e a confusão reinam no caos anárquico e estéril que como hálito espectral devora a esperança de beleza e encontro. O mesmo sucede com as forças morais de uma sociedade: se a música das almas e os elementos reverberam em harmonia, a luz de um Ideal, todos juntos ao som de um ritmo mágico que é pura concórdia: que oferenda de beleza e perfeição! Que serenidade a do relógio que marca as ditas horas felizes.Quando não, que violência nos encontros e despedidas, que amargura na solidão de cada alma por todas ignorada, e ainda de si mesma, que pavor a vida numa selva urbana em que os animais disfarçados de homens se disputam pelo território e pela presa, que inutilidade a de tantos trabalhos e esforços cuja suma resultante é nada, como a de vetores de forças que se anulam. Como um coração, a grande roda do Dever Ser, o grande tambor do Tempo marca os ritmos e medidas, mas não encontra eco no silêncio, ou na bruma espessa de medos e angústias em que todos lutam receosos pela vida. Todos seguem os ritmos das suas naturezas, e a medida das suas existências mais elementais, todos gritam o que são, em estridências de metal ou em murmúrios inaudíveis. Mas ninguém nem nada os compassa. Invisível é, e inaudível o fio de ouro que deve passar por meio dos seus corações, como aquele que atravessa e une as contas de um colar, dando-lhe unidade e sentido. A esperança trabalha penosamente e esforçada na escura terra buscando a luz de uma nova Primavera. Pois o rugido abrumador da vida angustiada de seres e coisas, ninguém ouve nem vê nem respeita, como o dragão cego dos contos, que ameaça devorar a dama da alma: assobiam os pulsos elétricos nas suas tensas retorceduras, murmuram os ventos arrastando as massas de águas tormentosas, apitam irritados os veículos, convertidos em prisões dos seus donos, os próprios edifícios parecem agitados uns contra os outros, como que se desafiando com ódio, e as pessoas – a alma que devia humanizar o quadro – parecem escondidas. São, já que ausentes do dia, filhas da noite? Aos pés de uma estátua de ferro do Grande Cronos, que sorri tirânico a quem o despreza, no tempo de infinidade de uma criança, espera a inocência, como a vítima no altar de um sabá. Chegará a tempo a Primavera?