Artigo publicado na Revista Nueva Acrópolis de Espanha nº 37, em março de 1977.

As mil bocas de celuloide, papel, plástico e metal do nosso último quarto do século XX gritam contra a contaminação.

É evidente para todos que a utilização aberrante dos recursos em prol do consumo indefinido, para o qual nos têm precipitado os romanticismos políticos, sociais e económicos dos séculos XVIII e XIX, precipitaram-nos no abismo obscuro e fétido de uma poluição contaminante em que a Humanidade se espreme, manchando a pureza das águas, a diafanidade do céu, a fertilidade da terra; e transtornando o equilíbrio ecológico que, talvez demasiado tarde, temos descoberto como imprescindível para a nossa vida. O sacrifício irracional das zonas verdes, dos espelhos de lagos, das manchas verdes dos bosques, reduz a beleza do planeta e, na procura do conforto, agoniza a vitalidade que permitiu o desenvolvimento das espécies e a convivência harmoniosa dos seres.

Ninguém ignora a gravidade deste fenómeno com características de catástrofe. Mas não se menciona outro aspeto muito mais importante para o ser humano: a contaminação ideológica.

Um subproduto do consumo materialista das ideias e da deglutição irracional dos princípios espirituais é a politicagem. Não a Política, que é o exercício da arte de se governar a si próprio e de governar os povos, mas a sua contraparte negra que é a politicagem, está contaminando todas as expressões da cultura e corroendo as bases da civilização. A educação tem sido esmagada, a ciência manipulada, a arte desfeita, os meios de comunicação manchados, e até nas relações humanas mais simples e naturais aparecem as pústulas desta peste universal. Seria impossível detalhar as suas inúmeras manifestações, mas recordemos algumas, que por comunidade de essências servem para o conjunto.

Os últimos Jogos Olímpicos no Canadá [1] demonstraram até que ponto o desporto está contaminado pelo partidarismo e racismo. O sucesso tragicómico da alegada segregação da China Nacionalista e de alguns atletas sul-africanos surpreendeu-nos dolorosamente. E nos nossos mais humildes estádios de futebol, manifestam-se correntes de violência “política” totalmente alheias ao desporto.

As cátedras de colégios e universidades têm sido invadidas pelo mesmo mal, e o professor que queira manter a sua dignidade e dar o seu conhecimento, vê-se excluído pela horda de adolescentes e jovens enlouquecidos pelo caruncho da politicagem. As paredes e os quadros negros resumem frases lacerantes e agressivas, símbolos nefastos rabiscados, e frases obscenas, e desenhos pornográficos. O “anticurso” e a “anticultura” são piolhos enredados nas barbas eriçadas e nos pelos desgrenhados de uma parte importante da juventude, que está embriagada de politicagem, ódio e ressentimento. Tudo está sujo.

As obras cinematográficas e teatrais resumem o pus desta doença nas suas expressões grosseiras, povoadas de blasfémias.

A poesia, a música e as belas-artes estão deformadas pelos cancros da fealdade, da luta de classes, de gerações, de todos contra todos.

Os livros, as revistas e os jornais competem para mostrar o pior da vida, e os delitos e os desastres, os horrores e os genocídios são elevados e enaltecidos como a máxima atração possível que se pode oferecer.

Mesmo o amor dos adolescentes já não se alimenta de belas imagens e projetos, mas que se envenena, injetado artificialmente com “protestos” e atitudes negativas que cheiram a desespero. Entre as mãos dos amantes, pululam os germes da contaminação pseudopolítica. Vede como o jovenzinho já não oferece uma flor à sua amada, mas um panfleto de guerrilhas.

Vede como vacilam os reis, titubeiam os presidentes e tremem os povos doentes com esta malária da politicagem.

O carreirismo e a ânsia egoísta de sobrevivência individual são o melhor exemplo e sintoma de uma grave doença, da angústia fisiológica que precede a morte.

Urge uma desinfeção profunda.

Estes Park, Colorado, Whyte’s Lake, Albert Bierstadt, 1877. Domínio Público

Devemos regressar às formas naturais, respeitar e preservar a verticalidade do fogo espiritual, a horizontalidade serena das águas da convivência, a montuosa e florida militância nos prados verdes da esperança e da generosidade. Devemos procurar com todas as nossas forças, para que as aves do Ideal tenham de novo os lagos límpidos, onde pousar-se; e para que os esquilos da alegria e os pássaros de cantos inocentes habitem outra vez os bosques das nossas relações humanas.

Devemos recriar as condições de uma vida limpa, bela e benéfica.

O conceito acropolitano de um mundo bom, forte e belo começa por ti mesmo.

Tu podes começar de novo, como um Adão, como uma Eva, a construir um paraíso nesta Terra. Então voltarás a ouvir uma voz divina e saberás que a esperança engendra um futuro todas as manhãs.

Nota do editor:

[1] Jogos Olímpicos de Montreal de 1976: 29 países recusaram-se a participar, a maioria africanos protestavam contra a quebra do embargo desportivo à África do Sul, por parte da Nova Zelândia. A China de Pequim não pôde participar porque o seu Comité Olímpico Nacional ainda não estava ainda reconhecido pelo COI, enquanto a China de Taiwan não pôde fazê-lo por não manter relações com o Canadá. O Governo do Quebeque, incumprindo os seus compromissos olímpicos, negou a entrada no país dos atletas da Formosa.

Jorge Ángel Livraga
Publicado na Biblioteca Nueva Acrópolis, em 5 de maio de 2023

Imagem de destaque: As primeiras poluições de grande importância que emergiram da Revolução Industrial, por via das máquinas a vapor, da metalurgia e do carvão. Pintura de Eugène Bracht (1842–1921), datada de 1905. Domínio Público