Fazemos esta publicação como uma pequena homenagem a Delia Steinberg Guzmán, trata-se de um dos seus inúmeros artigos, sempre iluminado por uma clareza extraordinária e um sentido prático que, além disso, demonstrou claramente com o exemplo da sua própria vida. Neste caso, é um dos textos que integra o seu livro Filosofia para vivir (Editorial Nueva Acropolis. Madrid, 2019), e que transmite ensinamentos tão inspiradores como este: «A vida é um tesouro de sabedoria quando se aprende a vencer o medo em cada passo. Trata-se da tua vida, dos teus passos. Não tenhas medo».
A voz da consciência
O filósofo necessita da aprovação da sua consciência. Mas, atenção, não chamemos a consciência aos simples apetites, às dúvidas não respondidas, às fraquezas, à arbitrariedade. Para que a consciência possa falar connosco e nos dizer o que é conveniente ou não, deve despertar como tal consciência. Antes é preciso ter cultivado o desenvolvimento da fortaleza moral, do discernimento, da catarse dos sentimentos. Deve ter agido e cometido erros sem medo de reconhecer os erros, sem medo de retificar o que não é válido. Deve ter passado por muitas provas para reconhecer essa voz interior como algo íntimo, estável, consubstanciado com o seu verdadeiro ser, voz que não se altera com o clima das paixões ou com modalidades da mudança.
Intuição e mística
Por mística não entendemos uma simples atitude contemplativa, mas sim uma visão intuitiva e inteligente do mundo, que nos transforma e nos leva a atuar em consequência, de acordo com as leis naturais.
Como é alcançada essa visão intuitiva e inteligente? Sem dúvida, é uma visão ou perceção que vai além do intelectual e do racional. É a alma quem percebe, é o aspeto mais elevado da nossa consciência que pode desvelar gradualmente os mistérios. Os antigos egípcios explicavam que os mistérios são intuídos ou percebidos com o coração, aquele coração especial que constitui a alma humana. Extraímos do livro O Mundo Mágico do Antigo Egito, de Christian Jacq, as seguintes palavras:
«… o centro das perceções mais finas é o coração. Não é o órgão em si, mas o centro imaterial do ser…»
O coração permite sentir-nos unidos a toda a natureza, a todos os seres, e perceber a mesma energia em tudo e em todos, embora adaptada a diferentes formas e circunstâncias. Desta forma é mais fácil entrar em contacto com o próprio espírito, com Deus… e quebrar as terríveis barreiras que, segundo a mente, separam a vida da morte. A energia é una e permanente.
Agir com o coração
O coração representa o nosso ponto médio: não é o plano emotivo ou sentimental, mas a mente com emoções ou a emoção com pensamentos.
O coração é a alma, o que nos «anima»: sentimentos e ideias. É o intermediário humano entre o nosso espírito, ainda não conscientemente atualizado, e a matéria do nosso corpo.
O coração é o eixo, um ponto de estabilidade se soubermos combinar as exigências corporais e as realidades espirituais.
Na fonte do entusiasmo: a intuição
O entusiasmo autêntico é muito mais do que uma emoção, embora as emoções possam levar a isso se forem cuidadosamente dirigidas.
Esse entusiasmo superior vive num plano mais alto, onde reside a intuição, na própria fonte da inspiração sagrada. Por isso é «Deus em nós», a inspiração divina ou aquilo que os deuses inspiram em nós. As intuições surgem como uma centelha imediata de compreensão total e profunda; são de fogo, como as emoções, mas de um fogo muito mais estável porque não está sujeito aos caprichos da psique ou ao jogo das dúvidas da mente.
Sabedoria
Sabedoria não é encher a cabeça de ideias que nunca serão aplicadas (por medo, por cobardia ou por comodidade); sabedoria é aprender a viver, a evoluir, a sentir-se mais firmes e seguros.
É evidente que para alcançar a sabedoria é preciso atravessar muitos caminhos desconhecidos, é preciso percorrer a intrincada selva de experiências. Ficar para trás por medo, acreditar que evitaremos estes encontros com o desconhecido é, apenas, adiar o sentido inexorável da vida, e viver o que vem pela frente com a sombra permanente do temor, do que poderia ter sido feito e não foi feito. …
A vida é um tesouro de sabedoria quando se aprende a vencer o medo em cada passo. Trata-se da tua vida, dos teus passos. Não tenhas medo.
O cofre de ouro das melhores lembranças
Todos temos, mais profundo ou superficialmente escondido, um cofre de memórias, algumas agradáveis e reconfortantes, outras melancólicas e dolorosas. Mas são todas nossas e nós as amamos como tais porque fazem parte desse tesouro que são as experiências, os acontecimentos que vivemos e que se tornaram indeléveis para nós. Ninguém guarda memórias anódinas e indiferentes ao coração. Um tesouro pode ser de ouro ou ferro, mas vale pelo que representa.
Ali, naquele cofre de memórias que cresce com o passar do tempo, encerramos as nossas joias mais preciosas, que brilham com só serem evocadas e que conservam o peso do que é válido e permanente. É o nosso cofre de ouro particular.
Tu podes formar uma corrente… Tu podes construir o futuro
O nosso é compreender. A nossa compreensão deve ser uma ponte; o nosso é querer saber mais; o nosso é conhecer a verdade, a nossa verdade e a dos outros; entender o que todos somos e o que somos cada um de nós; ter piedade por todos nós e ter piedade por cada um de nós. E espalhá-la como um rio, porque será a única maneira de podermos unir homem com homem, coração com coração, alma com alma, até que esse conjunto possa receber o digno título de humanidade, até que toda a humanidade possa ser unida com Deus. A corrente começa com cada mão que se une à outra mão, e a corrente – pelo menos para nós, nesta dimensão e neste momento – terminará quando todos, em conjunto, possamos nos sentir fortemente ligados à Divindade.
Publicado na Revista Esfinge em 1-09-2023
Imagem de destaque: Personificação da filosofia, de Eduard Lebiedzki, segundo projeto de Karl Rah. Domínio Público