“A convivência, quando voluntária e consciente, é a arte de viver e deixar viver”.
Esta arte é mais difícil do que parece à primeira vista, pois implica, em diferentes níveis da consciência, elementos tão essenciais e antigos como o instinto de sobrevivência, de propriedade, de função ou papel e de sexo.
É, na sua síntese máxima, uma luta mortal entre a consciência espiritual e a existência animal. É o velho mito que se representou entre os povos de todos os tempos, desde Kurushetra do Mahabharata até ao de São Jorge e o dragão. A convivência é uma prova para todos nós. Assim o é, inclusivamente, no sentido iniciático deste conceito, como prova de valor, pois somente os valentes, os que valem, podem superá-la. Os que fracassam normalmente apelam a motivos pseudo-espirituais para justificar a sua falta de capacidade para a convivência.

Os exércitos Pandava e Kaurava se enfrentam no campo de batalha de Kurukshetra. Ilustração do Mahabharata. Domínio Público
O primeiro passo para uma convivência consciente é reduzir o egoísmo ao mínimo e até mesmo o egocentrismo. Isto não implica eliminar o nosso espaço vital essencial, mas saber acomodá-lo de maneira que não entre em conflito com o espaço vital dos outros; torná-lo um meio elástico e inteligente, que domine os seus limites, fazendo-os avançar ou retroceder como lhe convém, sem se encostar ao terreno das coisas materiais nem psicológicas, mas exercitando a bondade de coração, a concórdia, a verdadeira confraternidade. Essa que todos se vangloriam de ter e defender, mas que é tão difícil de encontrar quando as circunstâncias se tornam desfavoráveis.
A nova convivência deverá caracterizar-se pela capacidade de cada individuo– e dos grupos que estes formam – de viver e deixar viver… sem que acreditem por isso serem pessoas quase santas, mas tão somente simples e autênticos seres humanos.
Sem convivência, o nosso projeto histórico de um mundo novo e melhor é impossível. Não nos podemos deixar levar por abstrações ou coisas demasiado distantes, mas por elementos reais, existentes e atuais.

Jorge Ángel Livraga
A nossa compreensão de que somos todos diferentes ajudar-nos-á a consegui-lo, pois a convivência não se dá jamais entre iguais, mas entre desiguais que têm muito que partilhar, quer dizer, que têm elementos de interesse mútuo.
A desigualdade une-nos, como os dentes de uma engrenagem que entram nos espaços que o outro deixa, e vice-versa. A desigualdade e a sua consciencialização permitem-nos transmitir força e puxar o fio do Destino, não nos distanciando dele e da sua perspetiva da História nova.
A desigualdade torna interessantes as outras pessoas, assim como as diferentes perspetivas, opiniões e possibilidades. Faz nascer, no meio da vida, a esperança e o entusiasmo, a atividade, o movimento positivo.
Então, torna-se possível e necessária, naturalmente necessária, a convivência, não só entre os humanos, mas também com todos os seres visíveis e invisíveis, abrindo-nos fatores de perceção no oculto, que são insuspeitáveis para aquele que começa a percorrer o caminho.
Porém a verdade, como dizia, H. P. Blavatsky, honra-se com a prática…
Agora, ao trabalho!
Jorge Ángel Livraga
Extraído do livro Artigos Jornalísticos
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Imagem de destaque: Convivência. Pixabay