“Todas as coisas no Universo seguem a lei da analogia. ‘Como é acima assim é abaixo’; o Homem é o microcosmos do Universo. O que tem lugar no plano espiritual, repete-se no plano cósmico. A concretização segue as linhas da abstracção; o mais inferior deve corresponder ao superior; o material ao espiritual”.[1]
“A analogia é na Natureza a lei directora, o único e verdadeiro fio de Ariadna que pode conduzir-nos através das inextrincáveis sendas dos seus domínios até aos seus primordiais e últimos mistérios. A Natureza, como potência criadora, é infinita; e nenhuma geração de homens de ciência física poderá vangloriar-se jamais de ter esgotado a lista dos seus meios e métodos, por uniformes que sejam as leis das quais procede.” [2] – H.P. Blavatsky (1831-1891) na sua obra ciclópica “A Doutrina Secreta”
Há mais de cinquenta anos, o professor Jorge Ángel Livraga (1930-1991) escreveu o seguinte[3]:
Ultimamente o conceito de Filosofia degenerou de tal maneira que este termo costuma envolver apenas uma forma de jogo racional, sobre bases convencionais, completamente desligado da Natureza e da Lógica no seu sentido restrito. Especula-se e mergulha-se num mundo de imagens comuns que atam e desatam cordas mentais que para nada servem nem nada movem, de tal modo que o filósofo actual, tal como um pescador enganado, apenas extrai o fio de pesca que ele próprio lançou ao mar das ideias fundamentais, sem peixe nem frutos do seu esforço.
Este é, efectivamente, ainda o panorama da filosofia académica actual, com raízes no materialismo que chegou ao seu apogeu no séc. XIX e que agora estamos a viver as ondas dos seus miasmas conceptuais e morais. Desde que Descartes proclamou a independência total entre a sua res extensa(a matéria, que pode ser “medida”) e a sua res cogitans (o pensamento) e considerou, junto com Galileu, Kepler, Newton ou Bacon, o universo mais como um relógio do que como uma Anima Mundi substanciado sob certas leis harmónico-musicais, a Filosofia Moderna entrou num labirinto sem saída. Um labirinto com Minotauro, a mais completa alienação relativamente a nós mesmos e à perda de vínculos com a natureza e a vida, e sem o heróico Teseu nem o fio de Ariadna expulsos por nós disto que pensamos ser palácio ou paraíso do prazer, a multiplicação até ao infinito das nossas sensações.
O fio de Ariadna que permite sair do labirinto da nossa confusão mental, e até do acorrentamento da mente à matéria é, precisamente e segundo refere a genial H. P. Blavatsky, A ANALOGIA. É a chave de ouro da Filosofia e da Ciência na hora de buscar a verdade, pois a verdade sendo como a luz, una, deve criar um vínculo do todo no todo. Quando expulsamos a Anima Mundi da nossa terra mental, fraccionamos o conhecimento e dificultamos o acesso a uma verdade harmónica, encontrando assim apenas páginas arrancadas, ou pior ainda, pedaços desconexos do Livro da Vida e da Natureza. E mesmo que proclamemos, com Galileu, que “as Matemáticas são o alfabeto com que Deus escreveu este livro”, perdemos os vínculos que nos permitem descobrir a harmonia naquilo que estudamos. A Filosofia, assim adulterada, perdeu a sua dignidade e o protagonismo das novas ciências a foi cercando e desnaturalizando. A Física e a Astronomia arrebatou-lhe o estudo do movimento na terra e no céu; a Química o dos Elementos e das transformações da Natureza; a Geologia o dinamismo da Terra e o estudo dos seus processos e os do reino mineral; a Psicologia o estudo da alma, que no início e ainda hoje se faz derivar dos simples humores do corpo; a Linguística o estudo da Linguagem; a Lógica, as leis do pensamento. Na verdade, todas estas ciências poder-se-iam ter desenvolvido mais e mais, como os ramos de uma árvore ou as pétalas de uma flor sem perder o seu sentido de unidade e harmonia, se a Filosofia não tivesse degenerado numa alienação onanística arrastada pelas correntes psicológicas do século. A análise cartesiana como método, guiando ad nauseam todos os ramos do saber, reduziu tudo a pó sem encontrar os verdadeiros segredos da vida. Faltou-nos a pureza da alma para desvelar as suas leis internas. Quão proféticas foram as palavras de “A Voz do Silêncio”, obra mística do budismo Mahayana, escrita há mais de mil anos:
Ajuda a Natureza e coopera com ela; e a Natureza ter-te-á como um dos seus criadores e tornar-se-á obediente. E perante ti abrirá, de par em par, os portais das suas secretas câmaras, e desvendará ao teu olhar os tesouros escondidos nas profundezas do seu seio puro e virgem. Imaculada pela mão da matéria, ela mostra os seus tesouros apenas ao olho do Espírito, o olho que nunca se fecha, o olho para o qual não existe véu em todos os seus reinos.
E como fazê-lo se a mentalidade ocidental fortemente enraizada na tradição bíblica nos tinha dito “crescei e multiplicai-vos” e tinha posto a Natureza como escrava para o nosso serviço total? Para ser despojada, humilhada, violada e depois descartada. Que diferente a visão hindu, por exemplo no Mahabharata, onde a Terra é representada como uma deusa que vai queixar-se perante Indra, deus do céu, pelas pegadas ímpias dos homens que perderam o respeito à sua mãe e nutridora, contaminação esta que é a causa da grande Guerra, um acto de sacrifício para purificar a humanidade de tantos egoísmos e sombras.
Analogia significa literalmente, em grego, “segundo a proporção” ou “de acordo ao logos”, ou seja, à Ideia. É a descoberta de verdades ou a execução de formas de acção com base em semelhanças. No âmbito jurídico, é o argumento mais importante quando se há-de julgar um caso que não se encontra sob qualquer lei. Entre as figuras da linguagem, as de analogia são as que estabelecem comparações entre as semelhanças de dois elementos, sejam estes ideias, acontecimentos, coisas ou seres, e incluem-se neste caso a metáfora, a semelhança e a alegoria. O grande mestre da analogia foi o sábio pré-socrático Tales de Mileto, a quem se atribui a máxima “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e as suas leis”, belíssima e sapientíssima analogia que estabelece a relação entre o Macrocosmos (Universo) e o Microcosmos (Ser Humano). Também é dele a máxima “Espera dos teus discípulos o que tu mesmo faças aos teus mestres”, outra analogia ou comparação entre termos. Toda a analogia implica um vínculo e este vínculo é a proporção. O próprio Tales escreveu em forma matemática um dos fundamentos da geometria, o teorema que leva o seu nome e que estabelece a semelhança de triângulos. Quase podemos chamar-lhe “cristalização geométrica” do princípio de analogia. E eis aqui a chave da analogia: a proporção (ratio em latim, logos em grego).
A proporção estabelece o vínculo, há uma mesma ideia que rege tudo aquilo que é semelhante:
O movimento dos electrões e os seus níveis quânticos de energia em torno do núcleo é análogo ao movimento dos planetas em redor do Sol. O próprio Sol é como um coração que bombeia o seu sangue (o vento solar) a todo o organismo, ou ovo até onde chega a sua vida. A estes limites chamamos agora Helioesfera.
Há uma semelhança entre a membrana de uma célula, a pele humana, as 7 camadas da atmosfera e esta “casca” do “ovo da vida” do sistema solar: há certas substâncias, energias ou raios cósmicos que passam e outros não, é um umbral, uma porta de acesso de sim ou não.
Há uma analogia entre a actividade frenética, irracional, do homem na Terra e um cancro ou um vírus disposto a devorá-la e passar a outro organismo hóspede. Entre as marés e as grandes convulsões sociais e políticas que vão marcando o ritmo dos séculos e milénios.
Entre a distribuição dos diamantes sob a Terra e as estrelas no céu, tal como provou Mandelbrot com os seus fractais matemáticos.
Entre os metais e não metais com o masculino e o feminino, ou com o côncavo e o convexo.
Dos colóides, sensíveis às influências planetárias, segundo demonstraram Kolisko e Picardi (da Universidade de Florença) e as sociedades humanas quando não muito enraizadas na recta razão.
Ou entre a distribuição dos números primos e os estados quânticos dos núcleos atómicos.
E onde há uma semelhança real, não uma ilusão da fantasia, há uma mesma lei que o rege, há um vínculo, base de toda a operação na natureza, ou uma mesma causa vertical. Há uma semelhança entre a chuva de gotas de água e a dos raios cósmicos, e os últimos estudos determinam nos segundos a causa dos primeiros, ao electrizar as partículas de pó que atraem a humidade do ar. Entre o ser humano verticalizado pela sua razão e responsabilidade e o fogo que se eleva ao céu, como uma oração, buscando a liberdade e o retorno ao puro e sem mancha. Entre os olhos e as estrelas, às quais precisamente chamamos os mil olhos da noite, demonstrou-se cientificamente que o olho humano irradia uma luz que pode ser medida materialmente, e que todo o ser sensível e especialmente os poetas perceberam desde que o mundo é mundo. Entre uma colmeia e um cúmulo de estrelas, libando no mesmo elixir de imortalidade que constitui a sua vida.
A analogia, se é correctamente utilizada, permite-nos penetrar no desconhecido, imaginar, criar uma ponte que depois será afirmada, constatada, provada. É síntese pura, a única que pode redimir um método analítico, além disso já exausto. Não basta medir, medir, medir e medir, há que encontrar a chave, o sentido, o significado do que estamos a medir, cujas verdades íntimas são como estrelas na alma humana: Platão chamou-as Arquétipos, os decretos do todo na infinitude e que descem, em cascata, desde o infinitamente grande ao pequeno, ou desde o infinitamente subtil ao objectivo. A Filosofia necessita da analogia como do próprio ar para respirar, senão converte-se em idolatria para com uma ferramenta, a mente formal, uma ferramenta e nada mais. Kant chamou-a “Razão Pura” (o Kama Manas das tradições teosóficas) e demonstrou – numa argumentação matemático-conceptual de 500 páginas – que esta não pode conhecer a essência de nada, que está isolada da realidade, podendo apenas mastigar com os seus dentes de aço da análise a simples aparência-fenomeno das coisas, nunca a essência ou númeno.
Se queremos uma nova Filosofia, que seja natural, que eleve a alma num voo de beleza e imortalidade e não a faça, contaminada, fundir-se com as sombras do abismo na matéria; é necessário retornar à analogia, a que fez avançar verdadeiramente a ciência. Pois, não “imaginou” e estabeleceu Newton a analogia entre as forças e os vectores, com a sua direcção, sentido e magnitude? Não sonhou Kekulé com a estrutura circular do benzeno (C6H6)? Não relacionou Schrodinger os diferentes modos ou níveis de energia atómica com os harmónicos da energia do hidrogénio, como se este fosse o fogo universal cujas ondulações harmónicas criam tudo quanto existe? Não “viu” Nikola Tesla, num êxtase intuitivo, a “corrente alterna” ao sentir que ele próprio girava em ciclos unido à Terra, como um gigantesco imã, em torno do Sol? Assim descobriu como a electricidade era universal, tudo estava nela e sustentado por ela (base da actual Teoria Físico-Cosmológica do “Universo eléctrico”, muito próxima das tradições esotéricas). Na figura num dos painéis da Notre-Dame de Paris, que se atribui à Alquimia ainda que originalmente representasse a Dialéctica, ela aparece a segurar uma escada de 9 Degraus: os diferentes níveis ou categorias do ser, tal e como aparecem já nos Mistérios de Heliópolis e depois na filosofia gnóstica, neoplatónica, medieval (com Pseudo Dionísio), etc. A subida e descida através destes Degraus do Ser só se pode fazer por analogia e, como dizem os textos egípcios, as travessas são os próprios braços dos Deuses. Ela, a analogia, é que estabelece a ciência dos vínculos, é portanto a base da magia e de todas as operações férteis da mente, as que arrastam sementes de acção e conhecimento real e não ficam isoladas na solidão de uma miragem. Como disse o poeta cubano José Martí ao estudar a obra de H. P. Blavatsky chamando-a Grande Sacerdotisa:
“O verdadeiro é o sintético. No sistema harmónico universal, tudo se relaciona com analogias, ascende todo o análogo com leis fixas e comuns”.
Li em tempos o livro de Lewis Spencer, ” A História da Atlântida”, regresso agora de novo ao capítulo introdutório onde este afirma que mesmo que a Babilónia ou o vale egípcio se tivessem afundado e desaparecido mil anos antes do nascimento de Cristo, teriam ainda assim deixado para trás o testemunho do seu comércio com o Mediterrâneo, e a sua cerâmica e outros artefactos teriam sido encontrados em Creta e no Chipre. Com a ajuda da inspiração, tanto quanto do mero estudo académico, foram decifrados os hieróglifos do Egipto e a escrita cuneiforme da Babilónia. Ele pergunta ainda se não terá sido a inspiração a revelar a Schliemann a localização exacta de Tróia, antes de este dar início às escavações. A analogia, considera ele ser um instrumento da inspiração, e se manejada habilmente, capaz de alcançar resultados extraordinários, sendo que a Arqueologia e o Folclore dependem quase inteiramente para alcançar os seus resultados.Apenas por comparação podemos lançar alguma luz sobre a natureza dos costumes e objectos inexplicados e, nesse livro, o método analógico será largamente empregue porque nos fornece uma sonda adequada com a ajuda da qual podemos perfurar as crostas duras do esquecimento que se acumularam em torno dos factos da história.
Um dos problema da Filosofia Atual é a estagnação mental. Como uma água que não corre e cujo lodo surge. Quando as portas se abrem, e surge o movimento da mente, pela Analogia, pelo Estudo Comparado, tudo flui rumo à Unidade. Brilhante Artigo!
Quizás a partir de la Ilustración fue necesario, para el desarrollo de la mente humana, considerada globalmente, elaborar “sistemas” para comprender la realidad, o mejor, para categorizarla y ver sus límites, como hizo Kant, por ejemplo. Resabios aristotélicos para dominar el mundo, en definitiva. Separando, traumáticamente, el domino del pensamiento y el dominio de la materia, como hizo Descartes. Pero esto nos ha ido apartadando de la Naturaleza y de la verdadera Filosofía, que consiste leer en Ella y en los acontecimientos y en los sucesos de la conciencia como en un libro, es decir, hallar el sentido de la vida. Y para ello, como dice el autor de este artículo es esencial la analogía. Sólo con la analogía podemos conocer e interpretar lo desconocido a raíz de lo conocido.