José Carlos Fernández é investigador, escritor e colaborador em diversas publicações, como a Revista Esfinge em Espanha, e dirige em Portugal as revistas Fénix, Pandava e Matemática para Filósofos. Conta como escritor com um grande número de obras, como Córdova Eterna, Florbela Espanca (sobre a sua vida e obra, traduzindo a sua poesia completa), A Viagem Iniciática de Hipatia, sobre esta filósofa alexandrina, Elementos Herméticos na Obra de Fernando Pessoa, e ainda Reis, Poetas e Sábios de Portugal, Ensaios Filosóficos e Teológicos, Viagem à Turquia (inédito), Instantâneas com Filosofia (inédito), bem como peças, como Ibn Qasi, rei filósofo do Algarve ou Florbela Espanca, lírio de Portugal. Assina também os roteiros documentais Córdoba Romana e Símbolos do Tibete. Estuda há mais de quarenta anos na Nova Acrópole, onde, além de leccionar, já realizou mais de mil palestras e seminários sobre temas relacionados com a filosofia, civilizações antigas e arte. Actualmente é director da Nova Acrópole em Portugal e hoje falamos com ele sobre Notas sobre o Simbolismo Arturiano, o seu último livro.

Histórias arturianas são geralmente apresentadas como literárias, dando mais ênfase à figura de Artur como uma figura histórica, como o senhor da guerra britânico-romano do século VI. No entanto, no seu livro centra-se principalmente na abordagem simbólica. O que traz essa perspetiva?
Por um lado, é necessário procurar a raiz histórica dos mitos. Faz parte da natureza humana querer saber o que neles é factualmente verdadeiro, mas o valor dos mitos está na sucessão de símbolos. É como um diamante que tem mil faces e oferece mil verdades de mil maneiras diferentes. A literatura arturiana é repleta de histórias, símbolos e valores que têm um impacto muito profundo na alma humana e muitas vezes não sabemos porquê, e quando olhamos para outras culturas vemos que muitos desses símbolos também se repetem, como se houvesse algo a que o professor Livraga chamou de “símbolos de reconhecimento para a alma humana”, e é importante abordá-lo a partir dessa perspetiva, e não apenas do ponto de vista literário ou histórico.

Távola Redonda, Castelo de Winchester. Creative Commons

No seu livro, não só fala sobre a história do mito arturiano que todos conhecemos, como também traça linhas com as outras histórias do ciclo arturiano, e afirma que cada uma delas é um arquétipo diferente. Pode explicar?
Em geral, todas estão directa ou indirectamente ligadas ao ciclo de Artur. São elementos relevantes, só que, por exemplo, no ciclo do Graal, Artur dificilmente aparece, mas estão todos dentro da mesma série. Cada personagem destas, pelo menos o mais importante, realmente aparece como arquétipo do ser humano. Sir Gawain é o grande cavaleiro da perfeita bondade, de perfeita cortesia e, ao mesmo tempo, é o protector de Artur, assim como Lancelot o é da Rainha Guinevere. Ivain, o Cavaleiro do Leão, representa os testes para recuperar o verdadeiro eu; Tristão é a inspiração mística, é a alma musical, é o lamento e sofrimento que a música produz, e cada um deles aparece como um cavaleiro perfeito. Mesmo com as suas falhas, eles não aparecem como um elemento a ser melhorado, mas como se fossem um arquétipo de perfeição da alma que desce e assume a natureza humana e, como tal, é claro, eles também cometerão erros, mas a força, luz e brilho que irradiam são tão notáveis que quase ouso dizer que se Buda e os seus discípulos se Buda e os seus discípulos reencarnassem seriam “Buda e os seus cavaleiros”, ou seja, encarnariam como modelos de perfeição humana, como estrelas no céu daquela época e daquele quadro psicológico.

Desde já há algum tempo que têm sido duramente criticados algumas histórias antigas e contos que apresentam o cavaleiro, o homem, como o herói, enquanto a dama é apresentada como o ser passivo, o ser que está à espera, mas que não tem um papel activo no acto de heroísmo, na façanha. Do ponto de vista simbólico, pensa que é realmente assim?
Na filosofia de Platão, que acompanhamos muito de perto, ele diz que as mulheres (e naquela época, em Atenas, as mulheres eram totalmente relegadas à casa) podem fazer a mesma coisa que o homem faz, ou seja, todos os trabalhos que o homem faz, inclusivamente ir para a guerra. Na visão indo-europeia também é assim, a mulher é a companheira inseparável do cavaleiro, ela não está simplesmente à espera em casa, e tanto na Grécia com as amazonas, como no mundo samurai, onde as mulheres samurais eram muito activas, percebe-se que não há discordância entre a delicada cortesia, a bondade da mulher e o seu encanto feminino, por um lado, e os valores cavaleirescos ou chamemos-lhes também valores heróicos, por outro. Mas, claro, exigir ainda mais da Europa medieval, teria sido demasiado. A Europa Medieval vivia numa prisão mental com a maneira de pensar imposta pela religião durante séculos, onde às mulheres quase era negada a alma. Portanto, transformá-la na companheira heróica e companheira de aventuras é algo que aparece em alguns textos arturianos, mas não é desenvolvido, porque talvez a sociedade não estivesse preparada para essa verdade, a que para mim é indubitável.
Por outro lado, também é verdade que homem e mulher não são iguais, expressam de diferentes ângulos a mesma essência, é como se cada um deles fosse o duplo luminoso do outro, a inspiração e o ideal do outro e, embora o valor activo possa e também deva ser dado à mulher, evidentemente, é verdade que existem certos elementos como ir ao infinito, ir para o desconhecido e, até mesmo, a destruição como uma maneira de chegar à profundeza das coisas, que talvez estejam mais dentro da psicologia masculina; e no feminino encontra-se mais a conservação, o dar vida, o proteger, o cuidar, e não podemos negar isso também, mas tal não significa que ela não assuma um papel activo, pois pode sem dúvida ser tão heroína quanto o maior dos heróis. Mas que há polaridades na natureza, há, expressam-se nos corpos, nos sexos, e também se expressam no âmbito psicológico ou mental como formas de entender a vida. Mas são complementares, um não vai contra o outro, são como duas mãos que se entrelaçam.

Chamou-me a atenção que faz inúmeras referências a mitos e símbolos de outras culturas, como à hindu, a Buda ou à egípcia, para citar algumas. Qual é a base para estabelecer essas relações?
Claro, porque a alma humana é a mesma. E então, talvez, existam tradições misteriosas ou elementos que se unem no desconhecido, como as chamadas “tradições iniciáticas” precisamente, que determinam símbolos, conhecimentos ou valores típicos do fogo espiritual de toda a humanidade, e que nos faz encontrar semelhanças, como por exemplo na arquitectura, com a pirâmide. Porque é a pirâmide tão importante em praticamente todos os povos?
Há uma série de elementos-chave que serão transformados, mas esses elementos estão a actuar quase como elementos de reconhecimento, algo que bate à porta da alma humana. Senão, não faria sentido, não seríamos capazes de encontrar semelhanças. Não só acredito que a alma humana é semelhante, mas também que houve uma transmissão, talvez transversal, de ensinamentos, de conhecimento, de experiências… então o que vemos da história de cada povo separadamente também é muito relativo. Deve haver ligações, algumas que são conhecidas na História e outras que estão no invisível e que remontam a tempos que não podemos talvez alcançar.

Sé Velha de Coimbra. Creative Commons

Entre os séculos XI e XII há uma espécie de explosão de uma infinidade de coisas que parecem relacionadas: os trovadores, os templários, as virgens negras, as grandes peregrinações, os movimentos do misticismo feminino como as beguinas, o amor cortês, os relatos de cavalaria… num contexto temporal e geográfico muito específico. O que considera ser a razão dessa confluência?
Há como um destino, uma força motriz que é um mistério. É um mistério porque é que num determinado momento podem surgir ao mesmo tempo tantas experiências tão diferentes e convergentes, que vão ser renovadoras e constituir um renascimento para a alma humana no Ocidente. Claro que, ao mesmo tempo, a Inquisição surge para exterminar a heresia cátara, mas há uma espécie de vento perfumado que abre as flores da alma, embora haja também então o Inverno que tenta que não se abram, mas tudo isso parece muito claro. É como se na Idade Média o mundo clássico tivesse ficado congelado e, de repente, uma espécie de Primavera tivesse surgido, a ponto de haver historiadores que consideram que o verdadeiro Renascimento foi precisamente no século XIII.
O século XIII, com todo o trabalho unificador do Templo, e todas as corporações, todos os góticos, que é um milagre, ou inclusivamente o cisterciense, que tinha uma importância enorme… mesmo aquelas que são chamadas de “heresias”, porque algumas eram movimentos místicos de grande importância como os cátaros, os albigenses…, era um fermento, claro! E as pessoas viviam no meio desse fermento. Eram oportunidades, mas também se viveram dificuldades. Geralmente, quando esses tempos de oportunidade aparecem, também surgem dificuldades adicionais, e é assim que a história do ser humano avança.

Se se lembra, houve um tempo na cultura ocidental não há muito tempo, no cinema e na literatura, quando a figura do anti-herói aparece e se torna popular, como uma personagem que, digamos, se opõe às pretensões do mau da história, mas que, moralmente, não é tão diferente às vezes nem do bandido nem de nós mesmos, como se quisesse aproximá-lo das “normalidades” das pessoas comuns. E curiosamente, agora, estamos a ver um ressurgimento de histórias heróicas: Harry Potter, O Senhor dos Anéis, O Hobbit, A Roda do Tempo… Porque é que o herói está a voltar e porque é que pensa que o anti-herói surgiu e que consequências considera que teve?
Acho que tem muito a ver, pelo menos no Ocidente, com a fase que se seguiu à Segunda Guerra Mundial. Por um lado, houve um cultivo excessivo e perigoso do nacionalismo, e é como se houvesse uma tentativa de querer gerar outros valores, e eles perguntavam-se porque é que os valores tinham que ser os do homem cavaleiro ou do homem honrado. Como disse o professor Livraga, vemos no século XX uma transformação definitiva, vemo-la nos filmes dos anos de 1940, 50, 60…, onde o modo de vida é tão diferente do nosso que é como se fosse outra dimensão. Ali vemos como se passa do homem honrado para o homem económico, e actualmente a economia mede praticamente tudo. Aqui o grande mito é o do liberalismo, que depois se converte no neoliberalismo económico, e as narrativas do neoliberalismo não se dão muito bem com o culto do herói porque as pessoas têm que ser uma entidade egoísta que apenas quer ter uma casa, ter filhos, comprar um carro, comprar e comprar durante toda a vida, porque é isso que move a roda da economia.
Então, há uma verdadeira dissolução no carácter do anti-herói, com o qual foi criada uma grande desmitificação, e tal aconteceu praticamente desde os anos de 1960. Então todo o existencialismo de Sartre, com toda a filosofia associada, foi devastador; como disse um ministro da Educação francês: “A geração associada a Sartre em França foi a destruição da juventude”. Muita rebelião, muito “vamos mudar tudo”, mas rapidamente todos se converteram em burgueses perdidos, e aí foi gerada a ideia do anti-herói, tal como no Século de Ouro foi gerado o romance picaresco. Há também uma espécie de cansaço de algo que se está a forçar demasiado e, claro, que não pode durar muito, porque a alma humana precisa de espadas, precisa de escudos, precisa de desafios, precisa de testes, precisa de dragões…
Por outro lado, há também uma manipulação, porque de repente também é gerada toda a mitologia dos super-heróis que, de certa forma, cavalga a necessidade cavaleiresca e a verdadeira necessidade heróica. E pensar-se que o heroísmo é concedido por elementos externos é quase contrário ao espírito filosófico. Muitos da minha geração queriam ser mordidos por uma aranha radioactiva para ter os poderes do Homem-Aranha, porque poderíamos ter poderes, e os poderes tinham que vir de fora, enquanto na mitologia e na tradição cavaleiresca os poderes vêm do esforço, da alma humana que se torna presente, porque no herói todos os poderes que estão na alma humana são desenvolvidos, não é nada artificial.

Vikings. Domínio Público

O movimento do culto de super-heróis é uma necessidade psicológica, mas eu acho que também é devastador, porque elimina a real necessidade de heróis verdadeiros, naturais, substitui-os. Olhemos para o sucesso da série Vikings, que foi fulminante em todo o mundo, e eu acho que tem a ver com isso. O ser humano precisa de certas experiências, e a vida que levamos é tão artificial e medíocre, de certa forma, é tão desprovida de propósito verdadeiro, de aventuras reais para viver, que muitos jovens reagiram de forma muito positiva a toda a série Vikings, embora para o século IX fossem simplesmente os bárbaros do norte; no entanto, na série há impacto, porque é a aventura, o contacto com a natureza, a mística entre os vikings. Nos anos de 1960, a série Vikings poderia ter sido banida, porque poderíamos adorar o anti-herói, mas não os bárbaros, porque “somos civilizados”. Há uma mudança de era, certamente, mas a alma humana é a alma humana, e precisa, e quando precisa, pergunta, e se está muito letárgica pede em voz baixa, mas pergunta, e quando são gerados elementos criativos associados a essa necessidade, surgem séries, livros, filmes… Uma bomba foi O Senhor dos Anéis, outra Fernão Capelo Gaivota, que foi autenticamente um golpe espiritual no dragão do século XX. E de onde vem isso? É outro mistério. É como se estivessem a ajudar a alma humana a não se contentar com coisas absurdas e medíocres.

Verdade, há um modelo também dentro das histórias de heróis, há Joseph Campbell com A Jornada do Herói, onde ele descreve perfeitamente todos os elementos que, na verdade, fazem parte de todas as grandes sagas heróicas que existiram ao longo dos tempos, do mais remoto ao presente. As grandes sagas de heróis de sucesso respondem sempre a esse modelo que é essa jornada que ele menciona. Voltando ao que ele conta no seu livro, nessas histórias geralmente há um jogo interessante de dualidades: dama-cavaleiro, herói-malvado, magia-realidade, como dois elementos que coexistem e em que Merlin é o eixo desse elemento mágico que também está presente nos desafios heróicos.
No mundo cavaleiresco há magia, o que acontece é que é uma magia subjacente, que aparece em certos momentos. Não é um romance de fantasia, é realmente uma literatura onde a magia é real e há elementos que vão além das leis da natureza como as conhecemos. Com talismãs, por exemplo. Há uma cena que eu acho que aparece em Ivain, onde a rainha lhe dá um anel que lhe permitia, quando o rodava, fazer desaparecer um encantamento dos espíritos da natureza, se este existisse. Ou seja, não lhe concedeu qualquer poder, simplesmente deu-lhe a possibilidade de neutralizar os elementos da confusão gerada pelos espíritos da natureza, como uma forma de ver claramente. Essa é a diferença com os super-heróis, que o poder é da sua alma, mas é concedido num mundo que não é nosso, que é o dos espíritos da natureza, de modo a não ser uma vítima deles.
Isso é mágico, e há muitos talismãs, mas não é magia escandalosa, nem fantasiosa, é magia que é muito próxima do real, quase parece que pode ser real. No meio de tudo isso aparece o Grande Mágico, ele sim é o grande mágico. Merlin. Ele dirige tudo, é ele quem gera a união dos cavaleiros, aquele que gera o compromisso de lutar por um mundo mais justo e estabelecer novamente o império dos ideais, e é a partir daí que se vão tecendo todas as cenas. Ele transforma-se num animal se necessário, transforma-se numa criança, voa, é capaz de aparecer a centenas de quilómetros de distância, mas isso é fantasia? Quando lemos as obras de Blavastky e as histórias dos mestres da sabedoria, há elementos muito semelhantes, e eles não são narrados como fantasia, são narrados como elementos ou poderes da alma humana que o ser humano tem, que não desenvolveu e que nalgum momento desenvolverá. O poder da alma humana deve ser infinitamente superior ao que conseguimos imaginar, e talvez Merlin represente aquele que já chegou ao fim, e esteja a favorecer e a guiar o trabalho. É o grande poder branco que faz avançar a história.

Merlin, Gustave Doré. Domínio Público

Estamos a falar de histórias que foram escritas há muitos séculos, num ambiente cultural e temporal que podemos dizer que não tem nada a ver com o nosso momento actual do século XXI, com a inteligência artificial, microchips, viagens a outros planetas… Mas ainda estamos à procura do herói. Dentro de toda essa trama de símbolos, histórias, mitos e personagens mais ou menos fantásticos, quero perguntar: para mim, para nós, no dia-a-dia, o que é que isso me traz hoje? Em que me pode ser útil o relato heróico?
Lembro-me de um conhecido que, quando o filme do Senhor dos Anéis saiu, e ao mesmo tempo que terá sido lançado um novo modelo de computador, não me lembro muito bem, ele disse que não sabia se compraria o computador ou uma espada, e finalmente comprou a espada. Há forças atávicas na alma humana. Então, certamente o computador foi também comprado, porque é muito necessário e um instrumento extremamente poderoso, mas com o que é que as histórias de heróis contribuem? Fornecem inspiração, símbolos que nos tocam profundamente, narrativas que são tão sugestivas… É como entrar noutra dimensão, mas essa dimensão não é como se fosse estranha à nossa, é antes como se fosse o coração da vida que devemos viver e que está à nossa espera.
Com A Morte de Artur, de Mallory, as histórias do ciclo arturiano terminam. Shakespeare praticamente não toca no assunto, o próprio Dom Quixote apresenta o tema como o fim, é a canção do cisne, e os próprios rituais, o ensino e o uso duma couraça de metal desaparecem, porque não é mais útil, simplesmente porque uma besta pode penetrar nessa couraça. Havia argumentos reais para esse fim, porque treinar um cavaleiro poderia levar muito tempo, eles eram filhos de nobres e, de repente, poderiam ser eliminados por uma besta que estava a cem metros de distância, escondida, sem exigir nenhum treino ou qualquer nobreza, e isso gerou uma enorme mudança de forças. E, claro, embora o mundo dos valores cavaleirescos fosse muito além de envergar uma armadura de metal, o símbolo era essa armadura, era a espada, era a lança e era o cavalo. Há a famosa história de um almogávar que é capturado e diz que enfrentará o melhor cavaleiro da França. Era um almogávar qualquer, mas o desafio foi realizado. Quando o cavaleiro chega no seu cavalo, com a sua armadura e o seu elmo, o outro mete-se debaixo do cavalo, racha-o, e o cavaleiro cai com os seus trinta quilos de armadura.
Esse é o fim de um mundo e, no entanto, quando o ritual formal cavaleiresco, de armadura, etc. morre, começa a entrar nos costumes o que é ser um cavaleiro, porque ser um cavaleiro tinha todo um código moral. Um cavaleiro não poderia ser levado pelo sexo, por exemplo, e havia toda uma série de virtudes que determinavam o que era um cavaleiro, e embora os nobres (condes, duques, marqueses…) tivessem mais ou menos gente ao seu serviço, se não mantivessem um ideal de nobreza e não fossem exemplos vivos, a sociedade entrava em crise. Porque eles o fariam ou não, mas pelo menos sabiam que o tinham que fazer. Esses valores cavaleirescos vieram muito claramente e com força até à Segunda Guerra Mundial. Se assistirmos a um filme dos anos de 1950 e prestarmos atenção às conversas que existem, referindo-se a mulheres, cortesia, respeito, há de tudo, mas apresentam um modo de viver que talvez seja talvez seja a etapa final do que começou com os rituais e valores da cavalaria e como essa natureza e força espiritual reside na alma humana, a qual terá que assumir novas formas, que não serão as mesmas das anteriores.
Então, o que inspiram esses livros? Inspiram o despertar, guiam, além disso são divertidos, formam a alma humana, fazem sentir o desejo de nobreza, porque, como diz Platão, nobreza é o desejo de fazer o bem. Então, as almas que são nobres não são as dos filhos dos nobres, são as que, por natureza, quando vêem alguém a fazer o bem, querem também fazer o bem, porque ficam inflamadas.
Essa paixão da alma está ligada aos valores cavaleirescos, aos valores eternos que são tão bem reflectidos nesses textos. É por isso que entrar nessas histórias, nessas ideias, nessas imagens, de certa forma é um caminho, é um chamado.

Fátima Gordillo Santiago

Publicado na revista Esfinge em 1 de Junho de 2022
Link da gravação completa: https://www.youtube.com/watch?v=_p3hEGPTREY

Imagem de destaque: José Carlos Fernández, em entrevista. Revista Esfinge