Japão, março de 1884. Num período de declínio do Período Edo, um corpo jaz dobrado para diante com a face mergulhada no pó do solo, envolto numa poça de sangue. Revoltado com o comportamento abominável de lorde Naritsugu, que maltrata, viola e mata os cidadãos à sua vontade, o vassalo Mamiya resolve cometer hara kiri, como expressão do seu sentimento.
Este gesto de protesto abala a estrutura governativa e ameaça colocar em causa a estabilidade da nação. Temendo o pior, o Xógun dá indicações ao Conselheiro da Casa Imperial, enquanto responsável pela justiça da nação, senhor Doi, para resolver a situação de uma forma discreta. O assunto é delicado já que sendo lorde Naritsugu o irmão mais novo do Xógun e líder do poderoso clã Akashi, se fosse alvo de um processo judicial poderia gerar-se um conflito interno cuja consequência seria a queda do já frágil governo. A solução passaria por assassinar secretamente lorde Naritsugu e a ação teria que ser empreendida rapidamente, pois em pouco tempo ele iria tornar-se Presidente do Conselho, ficando responsável por importantes decisões políticas da nação.
Para realizar tão arriscado e arrojado empreendimento, Doi recorre a um nobre samurai chamado Shimada Shinzaemon, homem de fortes virtudes, inteligente e tenaz na perseguição dos seus objetivos.
Pela calada da noite, nos aposentos do Conselheiro, Shinzaemon é confrontado com dois relatos sobre a natureza cruel e desequilibrada de Naritsugu.
O primeiro é feito pelo criado de lorde Awari, responsável pelo acampamento de Kiso Agematsu. Durante a viagem que anualmente deve realizar até Edo, o maquiavélico líder do clã Akashi pernoitou nesse local. Sendo uma pessoa importante, todos os habitantes foram convocados para Naritsugu pudesse ter todo o conforto possível. Entre eles encontrava-se Kise, nora do criado. Esta tem a infelicidade de se cruzar com o futuro Presidente do Conselho, que a arrasta para os seus aposentos e a viola brutalmente. Entretanto, o esposo de Kise procura-a e ao encontrá-la nos aposentos de Naritsugu questiona-o sobre o porquê de tal comportamento abominável. A resposta que encontra é a morte. Sem o mínimo remorso, o vil lorde abandona o acampamento, deixando um rasto de dor atrás de si.
O segundo relato é feito pelo próprio senhor Doi, ao mostrar a Shinzaemon uma rapariga, filha de um camponês que tinha liderado uma revolta contra Naritsugu devido à cobrança exagerada de impostos por parte deste, o que lançava as pessoas na miséria. A repressão foi brutal, resultando num massacre total. Não contente com isso, o malvado lorde levou a rapariga consigo e depois de abusar sexualmente dela, mutilou-lhe os quatro membros, cortou-lhe a língua e abandonou-a num descampado totalmente desamparada.
Ao ouvir horrorizado os relatos, Shinzaemon aceita a missão mas não deixa de esconder uma ponta de entusiasmo dizendo:
«Numa época de paz como esta, sendo um samurai, tenho procurado um lugar para morrer. Então, fui chamado aqui. Minhas mãos não param de tremer. Como… um ato heroico.»
Nesta época moderna, em que todos procuramos fugir às dificuldades e viver o muito tempo é difícil compreendermos a razão de tal entusiasmo. Para isso é necessário entender que o samurai não pretendia viver para sempre. Diz-nos o «Código do Samurai», de Taïra Shigésuké:
«A primeira preocupação de quem pretende tornar-se guerreiro é ter a morte sempre presente no seu espírito, dia e noite, desde a manhã do primeiro dia do ano até à noite do Ano Novo.» 1
O seu ideal era o de lutar por uma causa justa, servir honradamente e defender corajosamente os seus superiores e serem o garante de ordem na sociedade.
«Os samurais são funcionários cuja principal tarefa é punir os rebeldes e os elementos que causam desordens, assim como assegurar paz e segurança às três castas do povo.» 2
Simbolicamente, o ideal de vida do samurai aparecia representado na flor de cerejeira, que tem de morrer na sua plenitude, para que o fruto possa desenvolver-se. O maior feito de um samurai era morrer lutando por aquilo em que acreditava e não perpetuar a sua vida até à velhice se isso implicasse negligenciar os seus deveres enquanto guerreiro.
Porém, no Período de Edo, altura em que decorre a acção, era uma época de relativa paz, imposta pelos poderosos Xóguns de Tokugawa. Os duelos eram proibidos e não havendo conflitos, os samurai viviam confinados a trabalhos administrativos.
Assim sendo, apesar de existirem muitos samurai e destes continuarem a cultivar a sua natureza guerreira, não a podiam expressar senão nos dojo onde praticavam as artes marciais. Os guerreiros transportavam as suas espadas, mas não as utilizavam. Como afirma em tom de troça o dono de uma taberna:
«Atualmente as espadas só servem para cortar rabanetes.»
Para poder realizar uma missão tão delicada, Shinzaemon recruta da forma mais discreta possível 11 samurai de sua inteira confiança. No entanto, as suas movimentações não passam despercebidas ao olhar atento de Kito Hanbei, antigo parceiro de Shinzaemon e chefe de segurança de lorde Naritsugu; um homem diligente na sua função, determinado e atento. Para ele o papel do samurai era servir o seu amo sem questionar e vivia essa sua crença até às últimas consequências.
Isto não implicava que Hanbei fosse cego em relação aos comportamentos desviantes do seu senhor e que não procurasse demovê-lo, embora de forma tímida, como ocorreu com o caso dos filhos, esposa e familiares do vassalo Mamyia. Aborrecido, Naritsugu entretém-se a alvejar os membros do clã Mamyia com flechas, matando-os uns atrás dos outros.
Hanbei procurou dissuadir o seu amo de executar tal ato tendo este último contestado com as seguintes palavras:
«O que é um samurai, Hanbei? Vocês falam em “devoção, devoção”, como se fossem sacerdotes budistas. Experimente acreditar nisso e seja indulgente com os servos. Um dia, uma pessoa promissora esquecerá o código dos samurai e haverá serviçais como Mamyia, que insultarão o seu mestre. Para que os servos sejam leais e se submetam à sociedade, punir aqueles que a desafiam é o dever do mestre. Morrer pelo mestre é o destino do samurai. Morrer pelo marido é o dever da mulher. Devemos proteger esses valores, não?»
Ao finalizar a sua sentença, lança uma última flecha matando friamente a viúva do malogrado vassalo. Estas palavras demonstram a rigidez que tinha na interpretação das regras de conduta que regiam a sociedade japonesa.
Entretanto Shinzaemon já tem a sua equipa, onde se destacam o Inspetor-chefe Saheitaro Kuranaga, um velho e tenaz samurai e seu amigo de confiança; Kujuro Hirayama, um samurai autónomo cuja filosofia de combate é a de aproveitar tudo o que houver à mão para poder derrotar o adversário: perde-se a espada, luta-se com um pau, perde-se o pau utiliza-se uma pedra, perde-se a pedra luta-se com as mãos ou utiliza-se mesmo os dentes; e o seu sobrinho, Shinrokuro, um jovem que dedica o seu tempo ao jogo e a embriagar-se em festas procurando com isso disfarçar a sua angústia como ele expressa ao seu tio:
«O jogo é a única coisa que me faz sentir vivo. Ser um samurai já não faz diferença.» Sabendo que Shinzaemon ia partir num empreendimento arriscado cuja aposta seria a própria vida, aceita participar, dado que seria a oportunidade de poder viver o ideal heroico do guerreiro, «pois quando um samurai entra em combate e realiza feitos corajosos e esplêndidos (…) só o consegue porque se decidiu a morrer.»2
E assim, 12 samurai, a quem se juntará mais tarde um montanhês expulso da sua aldeia, partem determinados em cumprir a sua missão. Porém, o seu caminho não será fácil, já que terão que saber dissimular as suas ações e ultrapassar os obstáculos colocados pelo tenaz Kito Hanbei, Chefe de Segurança de lorde Naritsugu. Assim, o trajeto entre Edo e as terras do clã Akashi tornam-se num imenso tabuleiro de xadrez, onde as peças se movimentam para poderem atingir o seu objetivo.
Realizado por Takashi Miike, «13 Assassinos» é um remake de um filme de Eiichi Kudo, de 1963. No entanto, não deixa de transparecer uma certa inspiração em «Os Sete Samurai» de Akira Kurosawa, principalmente no desenvolvimento calmo da história na primeira metade do filme e no clímax apoteótico da segunda metade, principalmente na sequência de 45 minutos de batalha entre os 13 assassinos e os 200 samurai ao serviço de Naritsugu que decorre numa aldeia totalmente modificada para se tornar uma armadilha enorme, tal como diz Shinzaemon: «vamos transformar isto numa aldeia da morte».
Miike procurou ser fiel ao original, não introduzindo uma mentalidade mais moderna no pensamento e comportamento dos personagens. O realizador dá tempo para a história se desenrolar nos primeiros dois terços do filme, fazendo com que o espetador possa criar empatia ou rejeição com os personagens, fazendo-o entender os seus móbiles e as suas frustrações.
Aqui há um todo um movimento estratégico a decorrer que vai desembocar num clímax que prende o espetador ao ecrã sem que este se aperceba dos 45 minutos de duração da batalha final.
O combate é bem coreografado e Miike fugiu à tentação de usar as mudanças rápidas de câmara para dar sensação de movimento, o que acaba por dar uma grande realidade aos confrontos.
O filme está recheado de elementos que nos permitem embrenhar no mundo dos samurai: rituais de suicídio (a morte do vassalo Mamiya), busca por uma morte honrada (Shinzaemon), a procura por um sentido para a sua vida (Shinroku), lealdade (Hirayama), devoção e sacrifício por uma causa elevada.
Para além disso, mostra-nos duas abordagens diferentes a qual deveria ser o papel de um samurai: Hanbei acreditava que o guerreiro deveria servir o seu superior sem qualquer tipo de contestação; já Shinzameon acreditava que acima do seu superior havia o interesse do povo, a justiça e que um samurai não deveria obedecer a alguém que tivesse perdido o juízo e fosse um louco.
Sem dúvida alguma, uma película que se vê e revê com gosto.
Cleto Saldanha
Anotações
1. Shigésuké, Taïra; Código do Samurai, Publicações Europa-América, 2006.
2. Yuzan, Daidoji; O Código do Samurai, Coisas de Ler, 2003.