“O FOGO É A PRESENÇA SUBJECTIVA DA DIVINDADE NO UNIVERSO” – H.P.B  (pág. 305  Doutrina Secreta  v. VI)

Os homens não inventam os símbolos, a palavra inventar provém do latim: invenire e significa encontrar. Deste modo os homens utilizam elementos da natureza para representar as suas ideias. o fogo é o símbolo comum a toda a humanidade e sempre foi associado ao reflexo de DEUS na Terra. No pensamento da Índia, o Universo é múltiplo na sua manifestação é Uno na sua essência, todos os aspectos da manifestação têm uma Lei comum que permite uma genealogia de ligação entre aquilo que está em baixo ou o ponto máximo de densidade e aquilo que esta em cima ou o ponto de maior subtileza. A natureza é o grande símbolo de Deus e Ele fala através da matéria. A nossa limitada percepção da realidade só nos permite captar os últimos efeitos da manifestação, as últimas faíscas do movimento cósmico que arrasta no seu contínuo devir milhares e milhares de átomos em constante transmutação.

Tempo, consciência, experiência, são o corpo do nosso universo, energia de vida insondável da qual só participamos nos seus últimos redutos.  A Luz é o ponto de encontro, nela se apagam as dúvidas, nela mergulhamos no seu silêncio que nenhum olho pode contemplar sem cegar-se. Deus oculta-se na natureza e na luz opaca da matéria podemos ler os seus desígnios, Fogo Mental que os Pais espirituais da nossa humanidade nos cederam para iluminar as nossas sombrias moradas. Este Fogo Sagrado que restitui a Luz das coisas, Fogo do sacrifício que tudo purifica, Fogo cerimonial que é liberdade e plenitude, Fogo interno que dissolve as ilusões, Fogo que cega, Fogo que desperta, Fogo solar transformador dos mundos.

O FOGO E A OFERENDA:  AGNI E SOMA

Oferenda de fogo / flickr

Na Índia védica o mundo é o resultado do grande sacrifício, viver é consumir a energia da vida, “VIVER É ARDER”, escrevia Teixeira de Pascoais. A nossa vida é um grande sacrifício.

Cada coisa nasceu do alimento

Nascidos, eles crescem com o alimento

Tudo é comido e come, desta forma tudo é alimento.

UPANISHAD. 6.11.12

Agni é o fogo da combustão e da digestão, ele encarna o poder da vida em eterna transformação, ele representa o sol, o calor, o desejo, o estômago, a sua cor é o vermelho e a sua contraparte é Soma: a oferenda, aquilo que é consumido, o combustível, o frio, a lua, o alimento, o esperma, o vinho, o mel, o azeite que alimenta a chama, a sua cor é o azul profundo.

O fogo é um elo de ligação entre os Deuses e os homens, ele é a boca que serve de passagem para que o alimento chegue até aos mundos superiores. O nosso mundo tem fome de eternidade, soma é o alimento do grande sacrifício, é a matéria reconvertida em pura essência que graças a Agni pode se elevar até às esferas superiores.

Desde dos primórdios da presença humana, o fogo exerce um fascínio, enquanto que todas as outras criaturas fogem na sua presença, o homem conseguiu ultrapassar o seu medo e reconheceu nele o símbolo do poder. O fogo reanima o corpo em hipotermia, o fogo ilumina a obscuridade e desperta o conhecimento das coisas, o fogo no olhar é símbolo do brilho da vida interior. Com a sua actividade o fogo externo é o responsável pela cozedura dos alimentos que serão novamente cozidos pelo estômago. O fogo no corpo é energia em movimento, sem ele não estaríamos vivos. O fogo liberta as essências das coisas, como o fogo solar produz a luz e os seus múltiplos reflexos coloridos. Ele é o responsável pela expansão, dilatação, fermentação, ebulição, dissolução e libertação. O fogo é o irmão coxo da luz, pagou o preço da sua integralidade na descida vertiginosa para os abismos, devido a isto só o sacrifício o pode redimir, só a dádiva de si mesmo o pode libertar da sua prisão. Só a pureza da intenção lhe pode restituir o equilíbrio que Deus concede à almas puras, por isso também só a fricção dos dois aramis pode restituir a chama do Uno.

O sacrifício nas tradições védicas

Agni / wikimedia commons

“Agni é aquele que dá a riqueza” (Dravinodas – Brihad – devatd, 3,65)

O alimento é a substância do Universo, todo o alimento deve ser restituído sobe a forma de movimento. A vida é uma sucessão de transformações e purificações, que vai da densidade material até à subtileza da energia libertada, tudo passa por este agente secreto alquímico, dissolvente universal e construtor de novas formas, riqueza produzida na forja do fogo subterrâneo. O alento do alquimista é o fogo que marca o ritmo da subida do calor interno que pouco a pouco produzirá a luz da consciência.

“Atiça em mim uma chama. O meu coração é a lareira e a chama é o eu domado.” – Buda

O coração é o símbolo do Graal, o trono de Deus no homem justo, síntese da acção governada pela sabedoria, é onde o sangue representa as ataduras kármicas mil vezes purificadas pela roda da vida. Ver e ouvir com o coração é o sinal daquele que está centrado na verdade. Todos os povos juravam e realizavam os seus pactos sagrados em presença do fogo, o fogo é o testemunho do coração. O Sol é o coração do nosso sistema solar, frente ao fogo não pode existir nenhuma injúria ou traição, o coração é a arca da aliança que receberá o espírito do seu deus interior, é o santuário, o ponto de encontro entre as forças antagonistas de onde nasce a luz da consciência. Ser-se verdadeiro mesmo se não possuímos a verdade, é uma mostra de autenticidade e esta é o primeiro sinal daquele que se quer conhecer. O coração é o órgão responsável pela vida e pela morte. Todos os ritos convergem para este altar interior, a oferenda é a cera (corpo) que liberta a chama (consciência) do nosso devir. Cada qual perdurará de acordo com a verdade do seu coração.

O Último Sacrifício

“Aquele homem vive… o tempo que viverá, depois, quando morrer, ele é levado para o fogo, o seu fogo volta ao Fogo, a sua substância à Substância, o seu fumo ao Fumo, a sua chama à Chama, as brasas às Brasas, as suas faíscas às Faíscas. Os deuses neste fogo oferecem o corpo do homem e desta oferenda eleva-se um ser novo cor de luz.”

Brihad Âramyaka