Descobertas científicas sobre a inteligência e comunicação no mundo vegetal 

 “Tu encontrarás mais coisas nas florestas do que nos livros; as árvores e as pedras te ensinarão mais do que qualquer mestre te poderá dizer.” –  Bernardo de Clairvaux

A relação íntima entre o homem e as árvores é tão antiga quanto a presença simultânea de ambos sobre a Terra, não apenas com o homem buscando nelas modo de sobrevivência mas também um saber, uma mestria e uma compreensão da transcendência da vida, pois como as denominou Herman Hesse: as árvores são as nossas maiores anciãs. No entanto parece termos sofrido uma profunda amnésia do golpe infligido pelo materialismo e mecanicismo dos últimos séculos que rompeu esse pacto e criou terríveis rupturas na grande rede da Natureza transformando a nossa própria vida numa luta pela sobrevivência… esquecendo-nos de viver. Mas como nada é definitivo e as experiências vão-nos empurrando para a verdade, vivemos simultaneamente tempos de mudanças de paradigma que nos farão reencontrar verdades esquecidas revestidas de novas roupagens adequadas aos novos tempos.

Vivemos tempos em que a razão reinou sobre a intuição e a mecânica sobre a poesia, por isso deixámos de conseguir entender a sabedoria dos povos antigos, deixámos de saber ler a sua linguagem. Talvez que o extremo da hiperacionalidade nos faça voltar à magia do olhar sobre o lado oculto da vida (que o é apenas invisível quando ainda não o conseguimos ver). Como diz a bióloga Suzanne Simard, cujo trabalho e descobertas sobre a vida das árvores já iremos conhecer à frente: “Chega um momento em que se percebe que este tipo de método científico tradicional não é suficiente e que há muito mais nos bosques do que o que somos capazes de chegar a compreender utilizando as técnicas cientificas tradicionais.”

As árvores sempre foram um dos símbolos mais universais em todas as tradições, onde a diversidade das suas espécies com as suas diferentes características era imagem do próprio Universo, já que na multiplicidade da sua manifestação radicava a perfeita unidade projectada na imagem do bosque, símbolo da manifestação, e que os orientais na sua concepção de libertação da alma o expressaram com a palavra Nirvana, que significa “saída do bosque”. As árvores mostraram ao homem a estreita relação e comunicação entre os três mundos, o subterrâneo, a superfície e os céus, de onde o homem podia aprender o cultivo harmónico da sua tríplice condição (corpo, alma e espírito).

As árvores revelaram ao homem muitos dos segredos do universo e de si mesmo: A Árvore Cósmica, paradigma da evolução, da ciclicidade, da Mãe Natureza que abriga todas as formas de vida, do próprio amadurecimento psicológico do ser humano, assim como do sacrifício e da morte mas também do renascimento e da imortalidade; A árvore como símbolo da elevação, esse anseio da humanidade de elevar a sua consciência e encontrar a realização espiritual; a Árvore da Vida com os seus poderes de maternidade, de gestação e de fecundidade, pois quantos seres nascem e se abrigam no seu seio? Mas também a sua riqueza e generosidade energética que permite alimentar tantos seres; A Árvore da Eterna Juventude mostrando a sua capacidade de regeneração, sabedoria e imortalidade; Árvore da Sabedoria com o dom dos seus frutos, pois só a sabedoria permite frutificar. Também na Bíblia a árvore está presente nos três grandes momentos da trama cósmica do homem arquetípico: Desde a árvore do pecado original onde o homem desperta para a consciência e inicia a sua caminhada, passando pela árvore-cruz do desabrochar do homem para a eternidade, até à árvore do apocalipse, onde a Árvore do Conhecimento e a Árvore da Vida se unem e as suas folhas servirão para curar os povos, pois é a sabedoria que une conhecimento e vida “salvando” o homem.

Árvore do conhecimento, Lucas Cranach / Wikipedia

Se algum espírito racionalista estiver a ler estas linhas, não se enfade, pois não é do mundo “mítico” das árvores que vamos falar, no entanto não podia deixar de iniciar com algumas palavras que nos pudessem levar na abertura das portas a novos caminhos que talvez nos conduzam à reconquista desse olhar poético, tão ou mais verdadeiro quanto o racional, porque ambos conformam a existência.

As raízes da inteligência vegetal

Até há pouco tempo a visão que se tinha sobre o mundo vegetal não estava muito longe das concepções do séc. IV a.C. com as afirmações de Aristóteles no seu livro “De Anima” em que descreve as plantas como estando no limiar entre o vivo e o não vivo, possuindo uma alma vegetativa, pois não se movem, e não sentem.

Vejamos pois em primeiro lugar o quanto tais visões são profundamente erróneas.

Sobre o movimento das plantas há vários já bastante conhecidos, e alguns bastante rápidos, como o caso da Dioneia muscipula, vulgarmente conhecida como Vénus papa-moscas, que num movimento rápido se fecha aprisionando a presa. Mas as plantas são capazes de realizar muitos outros movimentos como o do desabrochar de uma flor, ou de um jovem feijoeiro em busca da luz assim como o movimento dos girassóis acompanhando o Sol. Podemos também encontrar o movimento dos rebentos que contrariam a gravidade ou o das raízes expandindo-se no interior da terra. E não se tratam de movimentos simples, porque para realizá-los necessitam mover diferentes partes num processo de sincronização sem que tenham um cérebro para os coordenar… ou será que o têm?

Planta carnívora Drosera Capensis / Flickr

Em 1880 Charles Darwin, em colaboração com o seu filho Francis, escreveu um livro que iniciou uma revolução no modo de olhar as plantas. Na sua obra “O Poder do Movimento nas Plantas” conclui com um parágrafo que abrirá as portas a descobertas extraordinárias: “Não é exagero dizer que a ponta da radícula actua como um cérebro de um dos animais mais primitivos”. Tal informação foi ignorada como fantasista durante mais de um século até que há poucos anos foi resgatada e levada muito a sério por várias instituições de todo o mundo dedicadas à investigação, tais como a Universidade de Washington nos Estados Unidos, o Instituto Max Plank e Universidade de Bonn na Alemanha, a Universidade de Lausanne na Suíça e muitos outros institutos do México, França, Itália e Japão. Estudos estes que têm chegado a conclusões extraordinárias sobre a linguagem, memória, cognição e capacidade de fazer escolhas das plantas. A frase de Darwin encontrou eco na investigação e hoje sabe-se que a ponta da radícula, uma zona menor que um milímetro, e onde se dá a taxa de maior consumo de oxigénio nas plantas, conseguiram-se detectar impulsos de actividade química e eléctrica, potenciais de acção que são os mesmos que os dos neurónios do cérebro humano usam para processar a informação. Este ápice radicular contém apenas algumas centenas de células que possuem este tipo de característica, mas sabemos que uma planta possui uma enorme quantidade de radículas, como por exemplo uma planta de centeio que tem cerca de 11,5 milhões de ápices radiculares que daria para se estenderem ao longo de cerca de 11 quilómetros. Edward Farmer, biólogo e pioneiro em pesquisas sobre comunicação vegetal da Universidade de Lausanne na Suíça, descobriu a transmissão de sinais eléctricos vegetais, com impulsos que seguem ao longo de grandes distâncias entre as membranas das plantas, funcionando como um rudimento das sinapses animais.

Raízes / Pxhere

Outro movimento que algumas plantas apresentam está relacionado com o adormecer, por exemplo a Mimosa pudica (vulgarmente conhecida como Dormideira) que durante a noite dobra e fecha as folhas, de modo a reduzir o movimento, e durante o dia abrem as folhas. Também esta planta apresenta mais um exemplar de um impressionante movimento rápido ao dobrar-se quando é tocada, em que as folhas contraem-se sobre o caule como se fossem fechar e ao mesmo tempo as hastes menores deixam-se vencer pelo peso, todo este processo constitui um mecanismo de defesa contra predadores, pois dá a aparência de uma planta seca ou murcha. Para além da Dormideira existem outras plantas que utilizam o mesmo estratagema.

Mimosa pudica no estado normal

Mimosa pudica após ser tocada

O investigador Stefano Mancuso, da Universidade de Florença, autor do livro “Sensibilidade e Inteligência no Mundo Vegetal”, fundou uma nova disciplina, a neurobiologia das plantas, que visa conhecer a comunicação a todos os níveis da organização biológica dos vegetais. Para Mancuso é uma evidência científica que as plantas têm uma sensibilidade e que esta é mais desenvolvida que a dos animais sendo capazes de perceber as mudanças eléctricas, o campo magnético, a gradação química, a presença de elementos patogénicos, entre outras variantes. As plantas talvez possuam mais do que os nossos cinco sentidos, refere ele, mesmo não possuindo olhos e ouvidos como os nossos, percebem todas as gradações da luz, utilizando as diferentes frequências para diferentes funções, assim como captam as vibrações sonoras, pois certas frequências, sobretudo as baixas (entre os 10 Hz e os 500 Hz) favorecem a germinação das sementes e o crescimento das plantas, estas equivalem a frequências naturais como a da água a correr. Descobriu-se também que as raízes produzem sons e são capazes de os perceber, o que sugere a existência de uma via de comunicação sonora subterrânea. Mancuso refere também que embora não tenham nariz, o seu olfacto e paladar são muito sensíveis, pois percebem moléculas químicas, e este é inclusive um dos seus modos de comunicação, pois cada odor é uma mensagem. Refere também que possuem tacto, pois basta observar-se como se agarram as plantas trepadeiras.

Stefano Mancuso

Como refere o Dr. Sebastián Pfautsch numa declaração em 2015: “Para nós as árvores não têm olhos, ouvidos, coração, voz, nervos, pulmões, intestinos, sangue, cérebro, no entanto isso não é totalmente certo. As árvores são mais parecidas a nós do que pensamos, mas não do modo que poderíamos esperar”. Estas declarações surgiram na sequência de estudos efectuados sobre árvores e dos quais concluiu que estas possuem também sopro respiratório e batimentos “cardíacos”. Entender outras formas de vida será certamente um caminho ainda a desbravar, pois só agora se está a começar a entender a existência de consciências não humanas e na verdade ainda nem conseguimos ao certo entender o que é a consciência, talvez as plantas nos ajudem também a perceber quem somos nós, os humanos.

As suas formas de comunicação são diversificadas e eficazes, uma das que se descobriu primeiro foi a comunicação entre plantas da mesma espécie através de moléculas químicas voláteis, que se podem difundir ao longo de quilómetros, e enviando por exemplo mensagens de perigo de ataques de insectos ou herbívoros. Graças a esse aviso as plantas podem defende-se de vários modos, uma das técnicas é aumentando as suas moléculas venenosas ou produzindo proteínas indigeríveis para os insectos. Na Universidade de Pretória, na África do Sul, descobriram um sistema de defesa das acácias extremamente eficaz: quando os antílopes começam a comer as folhas da acácia a árvore emite pelo ar um sinal de etileno gasoso através dos poros das suas folhas e que pode viajar até 45 metros avisando as outras árvores próximas, uma vez o sinal recebido, as acácias começam a produzir tanino nas suas folhas em quantidades letais para os antílopes. Vários estudos sobre esta forma de comunicação têm sido publicados, só a título de exemplo o do jornal “Ecoloy Letters” em finais de 2013, que mostrou que as plantas que recebem nas suas folhas os químicos emitidos por plantas “feridas” tornam-se mais resistentes aos herbívoros.

Um outro estudo publicado na revista “Plos One” em 2010 explica como um pé de tomate infectado por uma doença avisa os outros por meio de micorrizas, fungos que surgem nas raízes, e os tomateiros vizinhos começam a produzir enzimas que os tornam mais resistentes a doenças. Outras plantas o que fazem para se defender é emitir determinadas substâncias para atrair outros insectos ou animais predadores do atacante, foi o que descobriu Martin Heil, biólogo do Centro de Investigação do México, com a clássica associação entre as plantas e as formigas que as defendem de pragas e dos herbívoros, diz ele que “os vegetais manipulam os insectos e deixam-nos sem outra alternativa para buscar alimento” e isso acontece por meio de elementos químicos secretados pela planta que deste modo “viciam” as formigas e as tornam numa verdadeira tropa de defesa.

Refere ainda Mancuso que as plantas desenvolveram estratégias sofisticadas para lidar com o mundo animal. Estudos recentes demonstram que a laranjeira ou limoeiro em flor actua de diferente modo segundo a quantidade de pólen que o insecto leva, se leva muito pólen a planta aumenta no néctar a quantidade de cafeína para activar o cérebro do insecto de modo a que se recorde dessa planta e volte, mas se leva pouco pólen a planta corta a quantidade de cafeina.

Sobre a questão, se as plantas possuem inteligência, a convicção de Mancuso é concordante com a afirmação do investigador Buckeridge, que trabalhou no Instituto Botânico de S. Paulo e que diz que “se a inteligência é a capacidade de se reconhecer como individuo e de tomar as melhores decisões, de acordo com as experiências vividas e condições ambientais, então as plantas são inteligentes”, reafirmando Mancuso que as plantas “são conscientes do que são e do que as rodeia”. Mais de uma década de estudos tem provado que um vegetal se reconhece como um ser único e percebe quando outras plantas ou animais tentam invadi-lo ou coloca-lo em perigo, além de ser capaz de relacionar variáveis como os níveis de água e luz e de acordo com a sua experiência ou vivência passada toma decisões, escolhe crescer para um ou outro lado, assim como abandonar ou manter as suas folhas para economizar energia.

Em resposta à pergunta que lhe colocaram, onde as plantas têm o cérebro? Mancuso responde: “Os neurónios são as únicas células nos animais que produzem e transmitem sinais eléctricos. Nas plantas, a maior parte das células do seu corpo fazem-no, e na extremidade das raízes têm muitas. Podíamos dizer que toda a planta é cérebro”. Como afirma um outro biólogo da Universidade da Califórnia, Rick Karban, “as plantas são capazes de comportamentos muitíssimo mais sofisticados do que imaginávamos”.

Stefano Mancuso refere também a ligação do mundo vegetal à energia fundamental para os animais e para o homem, recordando as antigas tradições e a alquimia que relacionavam o nível evolutivo do reino vegetal ao plano energético ou vital. Diz ele que “toda a energia química provém das plantas. (…) Além disso são as plantas a base da vida do homem porque são a conexão entre o Sol e a Terra. A energia solar que nos chega é retida pelas plantas e conseguem-na transformar em energia química, em glicose que é o que necessitamos para viver. São o ponto de conexão entre a energia solar e a energia química. Sem as plantas nós não teríamos energia, logo não poderíamos viver.”

Comunicação e colaboração entre as árvores

O pioneirismo no estudo da comunicação entre as árvores, e que tem cada vez despertado a paixão de mais investigadores, deve-se à bióloga Suzanne Simard, que há uns 25 anos desafiou todos os preconceitos, ridicularizações e obstáculos levantados, e iniciou as suas investigações para a sua tese de doutoramento que a levou à descoberta da comunicação entre as árvores através de uma rede formada por uma malha de micélio produzido por fungos no sub-solo. Este micélio é um emaranhado de filamentos esbranquiçados que se espalha ao longo do interior do solo e conecta diferentes plantas, não apenas as que estão próximas mas também as que estão a grandes distâncias. Deste modo os nutrientes, o carbono e a água podem ser trocados entre as árvores.

Malha de micélio produzida por cogumelos / Wikimedia Commons

Estas trocas são de duplo sentido, pois tanto podem dar como receber conforme as condições a que estão sujeitas em cada momento. Por exemplo, num dos casos estudados, quando o abeto de Douglas ficava mais à sombra no verão, mais a bétula branca enviava carbono ao abeto, por outro lado, no outono, quando a bétula branca ia perdendo as suas folhas e o abeto de Douglas tinha excesso de carbono, porque ainda estava a fazer a fotossíntese, a transferência desse intercâmbio era revertida de volta para a bétula. As árvores e plantas em geral parecem pois trabalhar em sentido contrário do que postulou Charles Darwin, pois as diferentes espécies de plantas não estão em competição por recursos, mas em muitos casos utilizam a rede de micélio para trocarem nutrientes e se entreajudarem na sobrevivência. Como refere Suzanne Simard, esta estrutura é baseada na diversidade e é ela que dá aos bosques a capacidade de recuperação e resistência para suportar acontecimentos inesperados como um incêndio, uma tormenta, pragas ou mesmo as alterações climatéricas.

Noutros casos as plantas unem-se para sabotar a expansão de espécies invasoras libertando em conjunto toxinas nessa rede, foi o que descobriu em 2010 Ren Sem Zeng da Faculdade de Agronomia da Universidade de Guangzhou na China. A experiência foi realizada com tomateiros plantados em vários vasos e ligados entre si por micorriza (rede de fungos que conectam as raízes). Um dos tomateiros foi borrifado com o fungo Alternaria solani, que provoca doenças na planta. Depois de 65 horas os cientistas borrifaram outro vaso e descobriram que a resistência deste segundo tomateiro era muito superior. Uma experiência semelhante foi feita com favas em 2013 na Universidade de Aberdeen na Escócia e obtiveram os mesmos resultados. Ambas as experiências chegaram à conclusão que a informação sobre as experiências de uma planta são passadas e com essa informação as restantes plantas encontram estratégias de resposta.

O grupo de estudo que actualmente acompanha Suzanne Simard conseguiu estabelecer através do ADN um mapa da rede de relações entre árvores irmãs que se relacionam por fungos micorrizicos e como estas se comunicam. As árvores mais velhas, que têm um sistema de raízes maior, conectam-se na rede com um maior número de árvores e nessa rede conseguem reconhecer o parentesco, tendo-se verificado que se os rebentos de jovens árvores que se desenvolvem ao seu redor são da mesma família elas ajudam ao seu desenvolvimento fornecendo-lhes nutrientes, mas descobriram também que lhes transmitem uma herança de experiências da sua vida. Porque estas árvores são as mais velhas e maiores, assim como cuidadoras das mais novas, foram denominadas de “árvore-mãe”.

Figueira de Bengala / Wkimedia Commons

Como refere Suzanne Simard: “começamos a compreender que não são apenas recursos que se movem entre as plantas. É muito mais do que isso. Uma floresta é um sistema cooperativo e, se só houvesse concorrência, seria um lugar muito mais simples. Porque há tanta diversidade na floresta? Porque é tão dinâmica? Na minha opinião, utilizar a linguagem da comunicação fazia mais sentido porque estávamos a ver não só a transferência de recursos, mas coisas como o aviso defensivo ou o reconhecimento de parentes”.

Peter Wohlleben, que foi um guarda-florestal durante décadas e especialista em árvores, um dia teve uma revelação que o iria marcar profundamente e mudar a sua relação com as árvores. Um dia ao caminhar pela reserva florestal que possuía árvores muito antigas deparou-se com algo que lhe pareceu uma pedra estranha, após uma observação mais atenta pode constatar que na verdade tratava-se de um tronco quebrado que apercebeu estar estranhamento fixo ao solo sem que o conseguisse levantar e o seu espanto maior foi quando constatou que esse tronco, que estaria ali há séculos caído, mantinha-se alimentado, verde no seu interior, por receber os nutrientes através das raízes de outras árvores. Foi algo verdadeiramente impressionante, pois o que leva a que outras árvores cedam os seus preciosos nutrientes a um tronco de árvore morta? É algo que dificilmente a mente egoísta humana consegue entender…

Peter Wohlleben / Wikimedia Commons

Desde essa altura Wohlleben tem-se dedicado a observar e estudar as árvores de um modo completamente diferente e juntou-se aos estudos da Dra. Suzanne Simard, tendo escrito um interessante livre com o título “A Vida Secreta das Árvores” onde descreve o surpreendente mundo de socialização das árvores e a sabedoria que os humanos podem retirar daí como modelo das suas sociedades: “Porque as árvores são seres tão sociais? Porque é que elas partilham o alimento com as suas companheiras e às vezes até nutrem as suas competidoras? A razão é a mesma para as comunidades humanas: há vantagens em se trabalhar em conjunto. Uma árvore não é uma floresta. Por si só, uma árvore não consegue estabelecer um clima local, ficando à mercê do vento e das tempestades. Mas juntas, as árvores estabelecem um sistema capaz de amenizar as intempéries extremas de frio e calor, armazenam grande quantidade de água e geram humidade. (…) No entanto, cada árvore é valiosa para a comunidade e é importante ser mantida o máximo possível. Por isso até as árvores doentes são mantidas e nutridas até se recuperarem. (…) Uma árvore será tão forte quanto a floresta que a circunda”. Diz ainda Wohlleben que as “árvores amigas, às vezes trabalham em uma sincronia tão grande, que até podem morrer juntas”.

“A Vida Secreta das Plantas”

Foi com este título que em 1973 Peter Tompkins e Christopher Bird lançaram um livro que iria lançar um forte impacto no modo do homem moderno olhar o mundo das plantas, criando reacções apaixonadas por um lado e por outro as mais duras críticas por parte da comunidade científica conservadora e mecanicista. Nada mais natural, pois todas as grandes revoluções nos paradigmas da ciência o provocaram.

Os trabalhos tiveram por base o acontecimento acidental que ocorreu em 1966 com o então maior especialista americano em detectores de mentiras, Cleve Backster, que teve a casual ideia de fixar os eléctrodos de um detector numa folha de uma planta dracena, e o que encontrou foi algo mais do assombroso que a sua suspeita, que a planta reagisse a agressões reais à sua integridade física, só que verificou o facto de que só ter essa ideia de agressão provocou reacções na planta que desencadearam saltos fortíssimos nos gráficos desenhados pelo aparelho.

Esta experiência acidental, conjuntamente com os conhecimentos tradicionais recolhidos da sabedoria xamânica e de outras culturas, que já conheciam e falavam da existência de uma vida secreta das plantas, cheia de percepções, sensibilidade e actividade, levaram Tompkins e Bird à realização de várias experiências. Detalhar só algumas delas, que são verdadeiramente extraordinárias, alongaria demasiado este artigo, mas que são dignas de serem lidas. Os resultados mostraram uma outra dimensão do mundo vegetal, uma percepção de sentimentos e ideias, uma capacidade transmissora das vivências de uma planta a outra e a memória que lhe estaria inerente, uma sensibilidade à música… Um mundo que inevitavelmente, mesmo com todos os ataques detractores que teve, levaria a uma mudança no modo de olharmos as plantas e levaria outros cientistas mais ousados a abrir novos campos de investigação que gradualmente vêm comprovando os resultados pioneiros deste trabalho.

Numa região remota e antiga havia um vale em cujo centro se erguia uma árvore esplendorosa. A erva crescia aos seus pés, os pássaros à sobra das suas folhas, a água clara soava entre as suas raízes e pela noite, quando a vida do vale descansava, a lua vinha acariciar os seus mais altos ramos. Um dia passou por ali um poderoso mago que ao ver a árvore ficou encantado com ela e a converteu numa harpa. A harpa maravilhosa foi oferecida ao imperador Ming-Huang, mas nenhum dos seus músicos foi capaz de a tocar. Por mais que se esforçassem, nem um só som saía das cordas da árvore adormecida. O imperador mandou chamar o músico mais famoso da China, que vivia retirado nas montanhas. O mestre Peiwoh contemplou durante longo tempo a harpa e começou a cantar suavemente. De imediato a harpa começou a emitir sons maravilhosos que se uniam à voz do mestre criando uma melodia que deixou todos os presentes extasiados.

– Como o conseguiste com tanta facilidade quando os melhores músicos da corte o tentaram durante semanas sem o conseguir?

– Falei-lhe do vale que a viu nascer, da erva que crescia aos seus pés, dos seus amigos os pássaros, da corrente de água, da lua nos seus ramos…

A harpa, James Jordan / Flickr

A toda esta compreensão do como funciona o maravilhoso mundo da comunicação entre as plantas esperamos poder vir a unir-se muitas outras compreensões de dimensões insondáveis que comporta a expressão da vida, como a das descobertas de Rupert  Sheldrake, descrito pela Revista Nature como “o melhor candidato para a fogueira que já apareceu em muito tempo” e que retoma temas tabu  para a ciência até ao momento,  como a memória das “almas colectivas” das espécies e que relaciona com o que ele donima de campos mórficos ou o tema da consciência não como um produto de circuitos eletromagnéticos mas utilizando esses para se poder expressar. São mais os caminhos que se abrem do que as portas da certeza a fecharem-se, como tanto gosta a razão de o fazer.

Naturalmente que este artigo não tem pretensões de ser científico mas apenas de divulgação de novos paradigmas, que como tanto gostamos de mencionar são “cientificamente comprovados”, de modo não só a olhar o mundo das plantas de modo diferente, o que em si já seria extraordinário, mas talvez a o próprio universo e com ele o próprio ser humano. Dessa visão espera-se o maior respeito pelos outros nossos irmãos da natureza… e já agora pelo próprio homem. Quem sabe se não nos levará a perceber que a vida e inteligência está em todo o lado, e daqui a uns anos possamos estar a escrever sobre a vida inteligente dos minerais… demasiado ousado? Também há poucas décadas o era para as plantas!

Quero terminar com umas palavras que encontrei pesquisando sobre o tema na internet, palavras de um simples e anónimo ser humano (embora tenha nome) que de forma extraordinária expressa o sentimento que impulsionou a escrever este artigo e que farei das suas palavras um eco para ressoar na nossa alma:

“(…) Na busca em me definir, preferi ser do mundo, pois é dele que me vem toda a inspiração para viver. Nele encontrei a literatura, a arte, a filosofia e a ciência que me fizeram ultrapassar as limitações do espaço e do tempo. Se me perguntam o que faço ou do que gosto, digo que sou observador e que aprecio o silêncio que envolve toda a simplicidade do mundo. Recentemente (re)apaixonei-me pela natureza, confesso que não consigo mais esquecê-la.” (Mateus Costa)